BLOG DO CAMILO


Ainda Ipanema

Continuo sem poder esquecer Ipanema dos velhos tempos. Era como viver em uma casa de campo no meio da cidade grande. A ligação com o mundo de todos era o bonde e os onibus que por ali passavam. Eram poucos mas o suficiente para atender a população que deles dependia. A fila interminável de onibus vazios que vemos desfilar hoje pela Visconde de Pirajá, que tornam o transito caótico durante todo o dia não existia. Passavam os bondes e alguns onibus. Outros desciam a Rua Prudente de Moraes e a Rua Nascimento Silva para depois retornar a Rua Visconde de Pirajá a caminho de Copacabana. O comercio de Ipanema era representado por lojas variadas, farmácias, padarias, açougues e algumas que ficaram famosas por sua especialidade. Lembro de duas que faziam a alegria das costureiras e das noivas: a Imperatriz, que vendia rendas e bordados e aviamentos diversos e a Casa Alberto que vendia fazendas para vestidos. Havia também a Casa Mattos, famosa por suprir as necessidades dos alunos a cada inicio de ano letivo. E claro, os bares que fizeram a fama de Ipanema e de onde brotou a bossa nova e a famosa Banda de Ipanema. Falo do Veloso, na esquina da Prudente de Moraes com a Vinicius de Moraes, antiga Montenegro, em cuja esquina nasceu a musica Garota de Ipanema e cuja história já foi contada e cantada muitas vezes. Nesse bar, assistia com inveja os felizardos autorizados a beber cerveja porque ainda não tinha idade para isso, serem servidos de garrafas "estupidamente geladas", saídas da sorveteira do Veloso. Os clientes conhecidos tinham esse privilégio. A cerveja era sempre super gelada. Nas suas mesas reuniam-se costumeiramente Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Rubem Braga que morava na diagonal do bar e tantos outros boêmios e intelectuais da época.Na Visconde de Pirajá, entre as ruas Garcia D'Avila e Anibal de Mendonça, ficava o outro famoso bar de Ipanema, o Zepellin, cujo dono era um antigo marinheiro alemão chamado Oscar e sua não menos famosa mulher cujo nome nunca soube mas que era russa de nascimento e também de sotaque. Moravam na parte de cima do bar. O Zepellin era outro refugio de intelectuais sempre servidos por um garçon totalmente estrábico que os irreverentes apelidaram de "instalação trocada" devido aos seus olhos divergentes. Lá se comia e se comprava a melhor salada de batatas que já provei na minha vida. O Oscar estava sempre de cara amarrada, como se o mau humor fosse uma forma de viver. Lembro que ia frequentemente comprar a salada e todas as vezes que chegava ao balcão, o Oscar e sua mulher estavam discutindo exacerbadamente. Me perguntava como era possível viver em uma situação como essa e porque os dois não se separavam. A resposta veio anos depois, quando o Oscar fechou o Zepellin mudou-se para Nova Friburgo. Mudou de cidade e mudou de vida. Largou a russa e cercou-se das brasileiras. Mas aí, a salada de batatas do bar que abriu em frente a praça central de Friburgo já não era a mesma. Ficamos sem a salada mas acho que o Oscar recuperou a sua vida.Outro famoso bar onde nasceu a Banda de Ipanema era o Jangadeiros, na Rua Visconde de Pirajá. Existe hoje um Jangadeiros em Ipanema mas não tem nenhuma conexão com o antigo. Fui colega de colégio da filha do dono do Jangadeiros mas, por causa da idade, não usufruí de tão privilegiada amizade. O chopp era famoso assim como muitos dos seus frequentadores. Em Ipanema não costumávamos ir muito além dos limites de nossa residência, assim, o Jangadeiros não me era muito familiar a não ser por passar por sua porta a caminho do Cinema Ipanema quase ao lado.Para fechar a minha lista de bares celebres, fico com Bar Lagoa, onde tomei a minha primeira cerveja devidamente autorizado pelos meus dezoito anos. Mas bem antes disso, chamava a minha atenção, todas as vezes que por lá passava, as mesas na varanda, com cadeiras de vime com braços e o luminoso que nos meus primeiros tempos de Ipanema lia Shangri-la em neon azul. A combinação dessa atmosfera com o edifício que abrigava o bar em estilo art decô, criava uma atmosfera única. Claro que naquela época a Avenida Borges de Medeiros tinha mão dupla e bancos de madeira junto a beira da Lagoa, adornada pelos famosos flamboyants floridos de vermelho. Só fui usufruir desse ambiente em 1954 quando pude sentar e pedir ao garçon que me trouxesse uma "caldereta" de chopp, que sempre precedeu uma farta coleção de tantas outras.Deixei de lado um bar que merece menção especial devido aos frequentadores. Chamava-se Café e Bar Progresso e o dono era um simpático português chamado Figueira. Hoje, no luigar onde ficava o Progresso está o Chaika, tocado pelo Eduardo cujo irmão Cesar morreu há pouco tempo e que eram filhos do Figueira. O Progresso é do tempo em que os garçons serviam cafezinho em mesas redondas de mármore branco com pés em ferro fundido, sem reclamar. Lá reuniam-se algumas das figuras mais notórias de Ipanema. O Luquinhas cujo nome era Lucas, uma figura que não passava despercebida pois tinha quase 1,90 metro e pesava seguramente mais de 120 quilogramas. O Luiz Cirandinha que foi famoso campeão de capoeira e seu irmão Mario Pedregulho, muito forte e bom de briga. Os Joãos, dois amigos com o mesmo nome e apelidados de Parafuso e Barriga. O Paulinho Pluto, o Mondrongo, o Fubá e seu irmão Rosinha, os irmãos Godinho, Paulo Amaral e outros tantos. Como vocês podem ver, os apelidos eram bastante bizarros mas alguns deles formavam um time de futebol de praia que foi, junto com outro denominado "Lá vai bola", um ganhador se não na bola, com certeza nas brigas já que o Cirandinha era o goleiro e o Paulo Amaral era meia do Pelicano e garantiam o espetáculo.

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