Xixi ainda é o vilão do carnaval de rua do Rio
Associações de moradores reclamam
da falta de higiene dos banheiros químicos e da falta de limpeza nas ruas.
Prefeitura avalia reduzir blocos
A reinvenção do carnaval de rua do Rio, apesar das atuais dimensões
gigantescas dos blocos, é um fenômeno recente. Há uma década, ficar na cidade
nos quatro dias de folia servia basicamente a dois tipos de público: os que amam
os desfiles de escola de samba e os que odeiam o movimento de baterias e
foliões.
Em pouco tempo, agremiações como Cordão da Bola Preta, Simpatia É Quase
Amor, Suvaco do Cristo e Banda de Ipanema passaram a ser comparados aos trios
elétricos de Salvador – com a vantagem de não segregarem seus seguidores por
cordas ou áreas restritas. Os cariocas passaram a ficar na cidade. Vieram mais
turistas. E chegaram também os problemas. O mais indiscutivelmente incômodo,
aliás, não vai embora junto com a Quarta-Feira de Cinzas: o cheiro de urina nas
ruas dos bairros mais badalados pelos blocos.
O xixi é ponto pacífico: não há folião de carteirinha que sinta prazer em
acordar e receber pela janela de casa a certeza de que uma multidão passou por
ali, aliviando-se dos litros de cerveja depois da maratona. A prefeitura do Rio
admite que o tamanho da festa tornou-se um problema para o Rio. O prefeito
Eduardo Paes já fala em “redução”, e diz que não há mais para onde o carnaval de
rua crescer.
As associações acreditam haver a necessidade de uma série de ajustes,
passando, primordialmente, pelos banheiros químicos. O problema central, às
vezes, não chega a ser a quantidade de cabines disponíveis, mas a manutenção.
Além das filas que o folião enfrenta, muitas vezes o cheiro dos banheiros
denuncia que a limpeza não passou por ali. “Não sei se o problema é propriamente
a quantidade de banheiros. Acho que é a higiene. O cheiro é horrível e ninguém
quer usar. O banheiro fica sujo dois ou três dias até a empresa trocar. A
prefeitura ainda está longe de resolver”, afirma Regina Chiaradia, presidente da
Associação de Moradores de Botafogo.
Divulgação/Prefeitura do Rio
Foliões do Me Beija que Eu Sou Cineasta
reunidos na Gávea, na Quarta-Feira de Cinzas
Carlos Monjardim, presidente da Associação de Moradores e Amigos de Ipanema,
também acredita ser a manutenção o xis da questão. “Ainda há banheiros químicos
em Ipanema. Se passar pelos locais onde eles estão, o cheiro de urina é
horrível”, afirma. Na avaliação da presidente da Associação de Moradores e
Amigos do Leblon, Evelyn Rosenzweig, os banheiros merecem, no máximo, “nota um”.
No Leblon, outro aspecto considerado problemático por Evelyn foi a venda de
bebida alcoólica para menores. “Faltou controle”, afirma a presidente da
AMALeblon.
As três associações reclamaram também da deficiência na limpeza. Segundo os
representantes ouvidos pelo site de VEJA, a varrição demorou e, em plena
Quarta-Feira de Cinzas, as ruas ainda estavam sujas. Em Ipanema, Monjardim
acredita ser possível reduzir o número de blocos, deixando apenas aqueles
característicos do bairro, como a Banda de Ipanema e o Simpatia É Quase Amor,
que mantém a tradição de desfilar muito antes de o carnaval de rua do Rio atrair
multidões. “Os canteiros dos jardins foram depredados. Outra questão no bairro é
que muitos prédios não têm garagem, e os moradores estacionam na rua. Vários
carros foram danificados por foliões”, afirma.
No Leblon, a associação não vislumbra solução, uma vez que todos os blocos
nasceram no bairro. Uma das possibilidades pensadas pelos moradores é limitar a
um desfile por bloco.
Planejar o carnaval, conciliando a liberdade que a festa supõe e as regras
para incomodar o mínimo, não é simples. A organização dos blocos, nos últimos
anos, foi feita a fórceps. No início, os próprios organizadores fugiam de um
ordenamento de locais e horários. Para driblar o excesso de foliões, alguns
blocos divulgavam horários de saída errados, como o Céu na Terra, em Santa
Teresa.
O excesso de gente é um problema. O maior incidente de 2013 ocorreu no mais
tradicional dos blocos, o Cordão da Bola Preta, que este ano levou 1,8 milhão de
pessoas à Avenida Rio Branco – no ano passado a estimativa foi de 2 milhões. Na
hora de dispersar o público, uma conjunção de fatores criou cenas de desespero e
destruição. Três viaturas da Polícia Militar, posicionadas junto a grades de
proteção em um dos pontos por onde deveria escoar o público, passaram a
funcionar como obstáculo. Mulheres e crianças passaram mal, alguns foliões
tentaram subir nos carros e os vidros foram quebrados.
Descontado o empurra-empurra, o fluxo de turistas e cariocas na cidade faz o
mercado sorrir. O governo do estado calculou o movimento do carnaval em 1 bilhão
de reais. “A previsão da Riotur é de 50 mil turistas a mais que no ano passado,
um acréscimo de 5,8% no número de visitantes. A estimativa é de que cerca de 900
mil pessoas, vindas do Brasil ou de outros países, tenham contribuído para a
movimentação de 665 milhões de dólares (mais de 1 bilhão de reais) no estado do
Rio”, diz uma nota do governo do Rio. Do total de turistas, 70% chegaram de
fora. Fazer a festa continuar lucrativa, divertida e organizada é o dever de
casa do momento para a cidade que tem, a partir de junho, uma sequência inédita
de grandes eventos: Copa das Confederações, Jornada Mundial da Juventude, Copa
do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. O réveillon de Copacabana, que
todo ano atrai cerca de 2 milhões de pessoas para um espetáculo de algumas
horas, é um bom exemplo de como o Rio é capaz de se organizar. Se a cidade
funciona no ano novo, pode funcionar no carnaval.