Enviado por: Migliaccio
Às 16h deste domingo, completo 46 anos a bordo. O aniversário me dá a chance de falar das praças cariocas, porque foi numa delas que me entendi por gente pela primeira vez. Poucas coisas são mais importantes numa cidade do que suas praças, já que é nelas que todos nós, ainda pequenos, tomamos consciência do mundo. As primeiras imagens, as impressões iniciais da minha vida – e da sua – certamente tiveram como cenário canteiros, escorregas, balanços, babás, bolas, sorveteiros e bicicletas.
No meu caso, foi a General Osório, em Ipanema. Ali, no fim dos anos 60, aos 5 ou 6 anos de idade, vesti pela primeira vez a camisa do meu time, o Fluminense, orgulhoso das três cores – verde, grená e branco – e me sentindo o próprio ponta-esquerda Lula. Naquela praça, onde na época era fácil ver passarem Vinicius de Moraes, Elis Regina ou Cláudio Marzo, o craque Duda da novela Irmãos coragem, aprendi a andar de bicicleta como num passe de mágica. Sem adulto segurando no banco nem rodinha para equilibrar. Pedi emprestado um camelo e saí pedalando, parecia que eu voava. Foi o meu maior feito na vida.
A Prefeitura do Rio está, sabiamente, recuperando as praças da cidade, muitas delas abandonadas há vários anos. Quando vejo um desses lugares em petição de miséria, penso nas crianças que só dispõem daquele espaço além da triste e claustrofóbica imensidão da tela da TV. Será o fato de criança não votar a razão para deixarem as praças cariocas nesse estado? Mendigos dormindo, bebendo ou fazendo coisas piores, mau cheiro, brinquedos destruídos, gramados pelados, sujeira de cachorro... Os novos passageiros desse trem mereciam pelo menos um cartão de apresentação decente, ainda que enganoso. É muito, muito cedo para receberem um choque tão forte de realidade.
Verdade que, já há 40 anos, a situação não era um mar de rosas. Lembro que uma vez eu e dois coleguinhas do edifício número 22 da Visconde Pirajá resolvemos arriscar uma aventura. Num fim de tarde, cismamos de caminhar da General Osório até a Praça Nossa Senhora da Paz. Para crianças de 6 anos, desacompanhadas de adultos, quatro quarteirões são uma odisséia. Na ida, tudo bem, o dia ainda estava claro, mas na volta fomos cercados por um grupo de... “neguinhos do morro”, que era como eram chamadas as crianças da favela. O termo “pivete” só viria alguns anos mais tarde, em meados da década de 70. E o politicamente correto – mas não menos absurdo, pela contradição em termos – “meninos de rua”, seria adotado(!) apenas muitos anos depois. Aqueles garotos maltrapilhos, um pouco mais velhos que minha turma, nos cercaram. Com ódio no olhar, um deles empurrou com o pé direito as costas do meu amigo, que se estatelou no chão, aos prantos. Foi assustador e ali, naquele início de noite dos anos 70, logo numa praça que tinha Paz no nome, tive uma mostra do que encontraria pela frente.
Aos 8 anos, mudei de Ipanema para a Urca, onde outra praça entrou em cena. Seu nome é Cacilda Becker, mais conhecida como Quadrado, por estar ao lado de um grande ancoradouro com essa forma geométrica. Foi uma adolescência abençoada. Uma turma grande, com muitos garotos e algumas garotas, que, claro, não chegavam para todos.
Aconteceu de tudo ali, debaixo daquelas amendoeiras. Bati, apanhei, fiz gol de placa, fiquei na reserva, dispensei, levei fora, experimentei, transgredi, fiz caridade, sacaneei, tudo que se deve fazer na melhor fase da vida. Hoje, a Cacilda Becker foi transformada num cemitério. Tiraram o campo de futebol e a pista de skate, numa absurda associação de políticos sem sensibilidade e moradores que só querem escutar o barulho de suas televisões. Ainda bem que eu e meus amigos nos tornamos adultos antes da morte do nosso inesquecível Quadrado da Urca.
Agora, quando quero voltar no tempo, visito as duas praças da minha infância e juventude. Na General Osório, encosto minha bicicleta naquela indefectível onça de bronze e passo as mãos em seu dorso, o mesmo em que montava quando era moleque. Depois de me certificar que ninguém está mesmo olhando, coloco minha mão dentro de sua boca, sentindo a ponta daqueles caninos, da mesma forma que fazia há 40 anos. Ela é mansa, nunca me morde.
No Quadrado, hoje entristecido pela ausência da garotada, respiro fundo para que o cheiro das amendoeiras penetre até o último alvéolo. E assim me renovo para, aos 46 anos, ter a sensação de que acabei de chegar.
Às 16h deste domingo, completo 46 anos a bordo. O aniversário me dá a chance de falar das praças cariocas, porque foi numa delas que me entendi por gente pela primeira vez. Poucas coisas são mais importantes numa cidade do que suas praças, já que é nelas que todos nós, ainda pequenos, tomamos consciência do mundo. As primeiras imagens, as impressões iniciais da minha vida – e da sua – certamente tiveram como cenário canteiros, escorregas, balanços, babás, bolas, sorveteiros e bicicletas.
No meu caso, foi a General Osório, em Ipanema. Ali, no fim dos anos 60, aos 5 ou 6 anos de idade, vesti pela primeira vez a camisa do meu time, o Fluminense, orgulhoso das três cores – verde, grená e branco – e me sentindo o próprio ponta-esquerda Lula. Naquela praça, onde na época era fácil ver passarem Vinicius de Moraes, Elis Regina ou Cláudio Marzo, o craque Duda da novela Irmãos coragem, aprendi a andar de bicicleta como num passe de mágica. Sem adulto segurando no banco nem rodinha para equilibrar. Pedi emprestado um camelo e saí pedalando, parecia que eu voava. Foi o meu maior feito na vida.
A Prefeitura do Rio está, sabiamente, recuperando as praças da cidade, muitas delas abandonadas há vários anos. Quando vejo um desses lugares em petição de miséria, penso nas crianças que só dispõem daquele espaço além da triste e claustrofóbica imensidão da tela da TV. Será o fato de criança não votar a razão para deixarem as praças cariocas nesse estado? Mendigos dormindo, bebendo ou fazendo coisas piores, mau cheiro, brinquedos destruídos, gramados pelados, sujeira de cachorro... Os novos passageiros desse trem mereciam pelo menos um cartão de apresentação decente, ainda que enganoso. É muito, muito cedo para receberem um choque tão forte de realidade.
Verdade que, já há 40 anos, a situação não era um mar de rosas. Lembro que uma vez eu e dois coleguinhas do edifício número 22 da Visconde Pirajá resolvemos arriscar uma aventura. Num fim de tarde, cismamos de caminhar da General Osório até a Praça Nossa Senhora da Paz. Para crianças de 6 anos, desacompanhadas de adultos, quatro quarteirões são uma odisséia. Na ida, tudo bem, o dia ainda estava claro, mas na volta fomos cercados por um grupo de... “neguinhos do morro”, que era como eram chamadas as crianças da favela. O termo “pivete” só viria alguns anos mais tarde, em meados da década de 70. E o politicamente correto – mas não menos absurdo, pela contradição em termos – “meninos de rua”, seria adotado(!) apenas muitos anos depois. Aqueles garotos maltrapilhos, um pouco mais velhos que minha turma, nos cercaram. Com ódio no olhar, um deles empurrou com o pé direito as costas do meu amigo, que se estatelou no chão, aos prantos. Foi assustador e ali, naquele início de noite dos anos 70, logo numa praça que tinha Paz no nome, tive uma mostra do que encontraria pela frente.
Aos 8 anos, mudei de Ipanema para a Urca, onde outra praça entrou em cena. Seu nome é Cacilda Becker, mais conhecida como Quadrado, por estar ao lado de um grande ancoradouro com essa forma geométrica. Foi uma adolescência abençoada. Uma turma grande, com muitos garotos e algumas garotas, que, claro, não chegavam para todos.
Aconteceu de tudo ali, debaixo daquelas amendoeiras. Bati, apanhei, fiz gol de placa, fiquei na reserva, dispensei, levei fora, experimentei, transgredi, fiz caridade, sacaneei, tudo que se deve fazer na melhor fase da vida. Hoje, a Cacilda Becker foi transformada num cemitério. Tiraram o campo de futebol e a pista de skate, numa absurda associação de políticos sem sensibilidade e moradores que só querem escutar o barulho de suas televisões. Ainda bem que eu e meus amigos nos tornamos adultos antes da morte do nosso inesquecível Quadrado da Urca.
Agora, quando quero voltar no tempo, visito as duas praças da minha infância e juventude. Na General Osório, encosto minha bicicleta naquela indefectível onça de bronze e passo as mãos em seu dorso, o mesmo em que montava quando era moleque. Depois de me certificar que ninguém está mesmo olhando, coloco minha mão dentro de sua boca, sentindo a ponta daqueles caninos, da mesma forma que fazia há 40 anos. Ela é mansa, nunca me morde.
No Quadrado, hoje entristecido pela ausência da garotada, respiro fundo para que o cheiro das amendoeiras penetre até o último alvéolo. E assim me renovo para, aos 46 anos, ter a sensação de que acabei de chegar.
é pura poesia o que voce escreveu.sou paulista,moro em ipanema e meus filhos mais velhos tem quase a sua idade e tambem passaram sua infância entre a praça general osório e a da paz.mas seu texto me levou ao parque trianon,em sao paulo,aonde eu passei a minha infância.obrigada por me levar de volta ao meu parque!
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