por Ruy Castro
Já foi dito, mas as pessoas não se conformam: Tom e Vinícius não fizeram “Garota de Ipanema” no bar que se chamava Veloso e que depois se chamou Garota de Ipanema, na rua que era Montenegro e depois se tornou Vinícius de Moraes, esquina com Prudente de Moraes (nenhum parentesco). Nunca foi do estilo da dupla escrever música em mesas de bares, embora eles tenham investido nelas as melhores horas de suas vidas. Tom compôs meticulosamente a melodia em sua nova casa, ao piano, na rua Barão da Torre, e seu destino seria uma comédia musical intitulada Blimp, que Vinícius já tinha toda na cabeça, mas que nunca levou ao papel.
Vinícius, por sua vez, escreveu a letra em Petrópolis, como havia feito com “Chega de saudade”, seis anos antes, e ela lhe deu tanto trabalho quanto. Para começar, não nasceu se chamando “Garota de Ipanema”, e sim “Menina que passa” — e toda a sua primeira parte era diferente. Era assim: “Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/ Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/ Com medo do amor/ Quando na tarde vazia/ Tão linda no espaço/ Eu vi a menina/ Que vinha num passo/ Cheia de balanço/ Caminho do mar”.
Quanto à famosa garota, é verdade que foi no Veloso, no inverno de 1962, que Tom e Vinícius a viram passar. Não uma, mas inúmeras vezes, e nem sempre a caminho do mar, mas a caminho também no colégio, da costureira e até do dentista. Principalmente porque Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, mais conhecida como Helô, dezenove anos, 1,69m, olhos verdes e cabelos pretos longos e escorridos, morava na Montenegro e já era muito admirada pelo próprio Veloso, onde entrava com uma certa frequência a fim de comprar cigarros para sua mãe — e saía sob uma sinfonia de fiu-fius.
A canção foi feita e lançada no show do Bon Gourmet em agosto. Os primeiros a gravá-la no Brasil foram Pery Ribeiro, na Odeon, e o Tamba Trio, na Philips, ambos em janeiro de 1963, para que nenhuma das gravadoras se sentisse infeliz. (Claudette Soares, toda lampeira, também conseguiu gravá-la rapidinho, na Mocambo, mas estava tão pouco familiarizada com a letra que trocou o “balançado que parece um poema” por um “balanceado” que mal cabia na métrica.) E, em maio do ano seguinte, 1963, o próprio Tom lançou a canção nos Estados Unidos, no seu primeiro disco feito lá, The Composer of “Desafinado”. A partir daí, apenas os primeiros dois anos (mas que foram os dois primeiros anos da beatlemania), “Garota de Ipanema” teve mais de quarenta gravações no Brasil e nos Estados Unidos, algumas das quais por Nat “King” Cole, Peggy Lee e Sarah Vaughan.
A garota Helô assoviava diariamente a canção a caminho do mar, sem saber que tinha sido sua musa. É verdade que já devia estar desconfiando porque, desde 1962, dois bem informados rapazes de Fatos & Fotos — o repórter Ronaldo Bôscoli e o fotógrafo Hélio Santos — viviam atazanando-a para fotografá-la na praia, num daqueles duas peças que na época pareciam ousados e que hoje dariam para confeccionar vários pára-quedas. Acabaram conseguindo, mas só depois que o pai da garota, um general da linha-dura, certificou-se dos seus bons propósitos. Somente três anos depois, em 1965, quando Helô já tinha 22 anos e estava de casamento marcado, é que Tom e Vinícius lhe revelaram — e à súcia da imprensa — quem ela era.
Houve então um corre-corre, que criou um misto de orgulho e desconforto no general e no noivo: todos queriam conhecer a coisa mais linda e mais cheia de graça. O Rio comemorava naquele ano o seu quarto centenário e ninguém mais perfeita do que Helô para ser o símbolo oficial da cidade, com a roupinha de normalista. O general e o noivo não deixaram. Dois anos depois, em 1967, o Cinema Novo resolveu filmar Garota de Ipanema — e quem seria mais adequada para interpretar o papel-título, dourando-se de biquini ao sol da Montenegro? Mais uma vez o general e o agora marido se interpuseram entre Helô e os olhos do mundo.
A canção continuou despertando fantasias universais a respeito da mítica garota, mas os anos se passaram e o mundo, cansado de lutar, resolveu tratar da vida e dedicar-se a seus outros interesses. Já tinha até se esquecido do assunto quando, 25 anos depois daquela tarde no Veloso, o mundo pôde finalmente apreciar, desta vez au grand complet, os méritos da “Garota de Ipanema” original: na edição de maio de 1987 da Playboy brasileira. Bem, 25 anos não são 25 dias.
Ruy Castro, Chega de Saudade — A história e as histórias da Bossa Nova
Vinícius, por sua vez, escreveu a letra em Petrópolis, como havia feito com “Chega de saudade”, seis anos antes, e ela lhe deu tanto trabalho quanto. Para começar, não nasceu se chamando “Garota de Ipanema”, e sim “Menina que passa” — e toda a sua primeira parte era diferente. Era assim: “Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/ Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/ Com medo do amor/ Quando na tarde vazia/ Tão linda no espaço/ Eu vi a menina/ Que vinha num passo/ Cheia de balanço/ Caminho do mar”.
Quanto à famosa garota, é verdade que foi no Veloso, no inverno de 1962, que Tom e Vinícius a viram passar. Não uma, mas inúmeras vezes, e nem sempre a caminho do mar, mas a caminho também no colégio, da costureira e até do dentista. Principalmente porque Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, mais conhecida como Helô, dezenove anos, 1,69m, olhos verdes e cabelos pretos longos e escorridos, morava na Montenegro e já era muito admirada pelo próprio Veloso, onde entrava com uma certa frequência a fim de comprar cigarros para sua mãe — e saía sob uma sinfonia de fiu-fius.
A canção foi feita e lançada no show do Bon Gourmet em agosto. Os primeiros a gravá-la no Brasil foram Pery Ribeiro, na Odeon, e o Tamba Trio, na Philips, ambos em janeiro de 1963, para que nenhuma das gravadoras se sentisse infeliz. (Claudette Soares, toda lampeira, também conseguiu gravá-la rapidinho, na Mocambo, mas estava tão pouco familiarizada com a letra que trocou o “balançado que parece um poema” por um “balanceado” que mal cabia na métrica.) E, em maio do ano seguinte, 1963, o próprio Tom lançou a canção nos Estados Unidos, no seu primeiro disco feito lá, The Composer of “Desafinado”. A partir daí, apenas os primeiros dois anos (mas que foram os dois primeiros anos da beatlemania), “Garota de Ipanema” teve mais de quarenta gravações no Brasil e nos Estados Unidos, algumas das quais por Nat “King” Cole, Peggy Lee e Sarah Vaughan.
A garota Helô assoviava diariamente a canção a caminho do mar, sem saber que tinha sido sua musa. É verdade que já devia estar desconfiando porque, desde 1962, dois bem informados rapazes de Fatos & Fotos — o repórter Ronaldo Bôscoli e o fotógrafo Hélio Santos — viviam atazanando-a para fotografá-la na praia, num daqueles duas peças que na época pareciam ousados e que hoje dariam para confeccionar vários pára-quedas. Acabaram conseguindo, mas só depois que o pai da garota, um general da linha-dura, certificou-se dos seus bons propósitos. Somente três anos depois, em 1965, quando Helô já tinha 22 anos e estava de casamento marcado, é que Tom e Vinícius lhe revelaram — e à súcia da imprensa — quem ela era.
Houve então um corre-corre, que criou um misto de orgulho e desconforto no general e no noivo: todos queriam conhecer a coisa mais linda e mais cheia de graça. O Rio comemorava naquele ano o seu quarto centenário e ninguém mais perfeita do que Helô para ser o símbolo oficial da cidade, com a roupinha de normalista. O general e o noivo não deixaram. Dois anos depois, em 1967, o Cinema Novo resolveu filmar Garota de Ipanema — e quem seria mais adequada para interpretar o papel-título, dourando-se de biquini ao sol da Montenegro? Mais uma vez o general e o agora marido se interpuseram entre Helô e os olhos do mundo.
A canção continuou despertando fantasias universais a respeito da mítica garota, mas os anos se passaram e o mundo, cansado de lutar, resolveu tratar da vida e dedicar-se a seus outros interesses. Já tinha até se esquecido do assunto quando, 25 anos depois daquela tarde no Veloso, o mundo pôde finalmente apreciar, desta vez au grand complet, os méritos da “Garota de Ipanema” original: na edição de maio de 1987 da Playboy brasileira. Bem, 25 anos não são 25 dias.
Ruy Castro, Chega de Saudade — A história e as histórias da Bossa Nova
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