A história do Canal do Jardim de Alah
O GLOBO publicou neste domingo matéria sobre a extinção do trecho final, junto à praia, do canal do Jardim de Alah, por conta da instalação de dutos ligando a Lagoa Rodrigo de Freitas ao mar. Diana Ramos, amiga do Blog Verde e pesquisadora do Centro de Documentação e Informação (CDI), do Globo, pesquisou documentos na Biblioteca Nacional que contassem a história da criação do Canal do Jardim de Alah. Leiam abaixo os trechos de livros de especialistas sobre o assunto:
KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: Rio de Janeiro de Carlos Sampaio. Rio de Janeiro : Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Divisão de Pesquisa, 2001. (55-56)
[Capítulo sobre texto e gestão de Carlos Sampaio, análise documental. Subitem “1.4 A Lagoa Rodrigo de Freitas”]
(...) Declarando ter tido a oportunidade de fazer as obras que pensava executar “desde o começo da... carreira de engenheiro”, Carlos Sampaio delineou a intervenção da prefeitura “sob a tripla visão da higiene, do embelezamento e da economia”. A lagoa, um microcosmo que concentrava em si as dicotomias associadas à cidade (saúde – doença, salubridade – pestilência, ventilação – miasmas), era um lugar que tinha “a grande vantagem de ser varrido pelo ar oxigenado do Oceano, agente depurador por excelência.” Ao mesmo tempo, “era uma zona infecciosa das mais perigosas, principalmente pelos pântanos de águas doces, focos inesgotáveis de mosquitos” habitada por “uma população ribeirinha que aí ia procurar residência gratuita, em terrenos abandonados, e que pagava com a saúde o que não podia pagar pecuniariamente”.
Influenciado pela preocupação com os “pântanos de águas doces”, Carlos Sampaio decidiu adotar as conclusões do engenheiro Saturnino de Brito, que preconizava a canalização de todos os rios e águas pluviais que desciam para a bacia para um canal que desaguaria no final da praia do Leblon, a abertura de uma comunicação permanente e regular da lagoa com o oceano e o aterro das margens baixas e alagadiças da orla. Desta forma estaria assegurado um regime de águas salobras que seria “o mais eficaz para a sua manutenção sanitária”.
Para fazer frente às despesas das obras – que incluíam a construção de uma avenida arborizada e iluminada, com largura de 30 e extensão de 7.800 metros, acompanhando a orla, margeada por um cais – Carlos Sampaio obteve um empréstimo de trinta mil contos de réis junto ao Banco Ítalo-Belga, através do decreto 1.351, de 9 de março de 1921, previa também que os cofres públicos fossem engordados com a venda dos terrenos ganhos ao espelho d’água, num total de seiscentos mil metros quadrados, que deveriam render aproximadamente vinte mil contos, depois de urbanizados.
(...) Iniciadas as obras, aproveitando as plantas e sondagens que datavam da administração do prefeito Bento Ribeiro, decidiu-se usar como aterro de lixo que era antes jogado na enseada de Botafogo, em frente à av. Rui Barbosa, recobrindo-o com terra e areia; a pedra usada era extraída do morro do Cantagalo; a draga que aprofundou o canal de comunicação com o oceano foi trazida por mar, com grande dificuldade, desde o calabouço. Carlos Sampaio decidiu também doar grande parte dos terrenos próximos à rua Marquês de São Vicente, “onde o aterro feito não permitiria outra utilização imediata”, ao Jockey Club, que retribuiria generosamente, fazendo-o sócio benemérito. (...)
Atendidos os preceitos da higiene, da economia e do embelezamento, tratava-se de facilitar a comunicação do bairro com o restante da cidade. (...)
Está presente à análise minuciosa, sob o ponto de vista técnico, dos problemas a serem resolvidos e das etapas a serem vencidas. Presente também a argumentação assentada sobre o discurso da salubridade e do saneamento, a prioridade dada à divulgação dos aspectos higiênicos do empreendimento. E, o que é essencial, o mecanismo de incremento da receita através da criação artificial de espaço a ser comercializado posteriormente, espaço naturalmente valorizado pelas obras de urbanização.
BALSA, Marilena. Ipanema de rua em rua : do Arpoador ao Jardim de Alah. Rio de Janeiro : Ed. Rio, 2005. P. 27-30.
Em 1920, quase 30 anos depois da proposta do projeto de transposição de suas águas, a Lagoa Rodrigo de Freitas recebeu as primeiras obras de saneamento. Foram construídos dois canais de comunicação com o mar, ambos projetados pelo engenheiro Saturnino de Brito.
O primeiro, para recolher as águas pluviais da serra do Corcovado, pela Avenida Visconde de Albuquerque. O segundo, o Jardim de Alah, com 140 metros de extensão, servia para a comunicação das águas da Lagoa Rodrigo de Freitas com o mar, visando oxigenar, manter a salinidade e propiciar a ligação permanente, o que contribuía para diminuir o problema das enchentes. (...)
Durante a presidência de Washington Luís (1926-1930), o então prefeito Prado Júnior, decidido a implantar o estilo urbanístico de Paris no Rio de Janeiro, contratou o professor e o arquiteto francês Alfredo Agache, considerado “pai do urbanismo”.
Em Ipanema e no Leblon, o plano previa a construção e quadras residenciais com espaços arborizados para descanso e lazer. No governo Getúlio Vargas, entretanto, o plano foi revogado.
Na década de 1930, Ipanema ganhou finalmente um projeto urbanístico que propunha o nivelamento da faixa de areia e o ajardinamento na área mais próxima à avenida, com o plantio de mudas de coqueiros. É dessa época ainda a construção de duas piscinas públicas. Uma na ponta do Arpoador e outra no início da Avenida Niemeyer, no Leblon, que jamais fizeram sucesso e acabaram demolidas.
Os jardins do Calabouço, projetados por Agache, foram reinterpretados e implantados em Ipanema, em torno do canal, no Jardim de Alah, pelo paisagista David Xavier de Azambuja, sob as ordens do prefeito Henrique Dodsworth. O estilo arquitetônico art déco do original é perfeitamente identificável naquele parque, no qual a prefeitura procurava criar um lugar romântico, com cais e gôndolas para passeios na lagoa. Inaugurado em 1938, quando fazia sucesso nos cinemas do Rio o filme Jardim de Alah, com Marlene Dietrich, que acabou dando nome ao lugar.
Memórias de Ipanema : 100 anos do bairro. [Rio de Janeiro] : Secretaria Municipal de Cultura, Assessoria de Projetos Especiais, 1994
Em 1920, o engenheiro carioca Carlos César de Oliveira Sampaio assumiu a prefeitura do Distrito Federal, executando entre outras obras: o saneamento e embelezamento da Lagoa Rodrigo de Freitas; a construção da Avenida Epitácio Pessoa, com 30 metros de largura, composta de duas pistas de 7 metros cada, separadas por um canteiro central, de 8 metros de largura. E a construção de dois canais distintos: o da barra, isto é, o da comunicação da lagoa com o mar, com 140 metros de extensão (hoje, canal do Jardim de Alá), e o canal da Avenida Visconde de Albuquerque. (15-16)
Em 1938, as fronteiras de Ipanema foram expandidas. Prolongou-se a rua Visconde de Pirajá e abriu-se a Francisco Sá, melhorando as vias de comunicação com Copacabana. No mesmo ano construiu-se uma ponte sobre o canal, ligando a Visconde de Pirajá à Avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, colocando um fim à circulação de bonde pela praia. A conclusão do Corte do Cantagalo melhorou a comunicação com Copacabana. A obra de recuperação da margem da lagoa Rodrigo de Freitas, próxima ao canal, criou ali um jardim com 14.000 m, onde foram instalados diversos brinquedos – hoje Jardim de Alá. (19)
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