Remoção das favelas, a crueldade de dedo na ferida
Artigo do leitor Octavio Perelló dos Santos
Comentários..Na década de 1970 ainda era possível subir com mais tranquilidade os morros do Rio. Fosse para uma festa, para uma visita, para soltar uma pipa ou por curiosidade. Havia quem subisse para comprar maconha para fumar, mas o clima não parecia ser tão hostil. A cocaína ainda não reinava e as armas não tinham tanto peso.
Houve outro tempo, bem anterior, em que a convivência entre morros fertilizou o terreiro da música popular brasileira, formando memoráveis parcerias e rodas de samba. Nesta época, não sejamos cegos românticos, já havia tristes condições de moradia, mas as alvoradas rendiam lindas canções para inspirados músicos e poetas populares.
Cartola, Carlos Cachaça, Monsueto e tantos outros nos deram uma visão romântica e compadecida dos morros. Nós, que não habitávamos nas coberturas de Leblon, Ipanema e Copacabana, que nos formamos driblando a ditatura com estudos, praia, sol e rock'n roll não temíamos tanto as favelas encravadas nas encostas que mal reparávamos. Medir a extensão de nossa culpa é aferir o volume da ignorância.
Buscar as razões do surgimento das favelas não é nada difícil. São quase as mesmas que até hoje vigoram, guardadas as devidas proporções e contextos. Canteiros de obras que atraem trabalhadores de outros estados e municípios, exacerbação do custo de vida que provoca a migração de moradores de outros bairros da cidade para os morros, onde supostamente a vida é mais em conta.
Houve outro tempo (que deixamos passar), em que se podia fazer alguma coisa para conter o crescimento acelerado das favelas. Sim, mas não nós que não mandamos em nada e nem temos influencia alguma, senão no voto. A elite mandatária, pousada nas mansões das encostas de montanhas e orlas marítimas abençoadas desta linda cidade, sim. Esta podia tomar providências, porque não escondia que tinha meios de mexer e remexer na Cidade Maravilhora, alterando seu perfil urbano e tantas outras coisas. Mas, quiçá, fosse conveniente que os seus serviçais morassem mais perto de casa, podendo assim chegar mais cedo no trabalho, sem precisar de passagem de ônibus, trem e metrô.
Agora supomos ser uma alternativa remover o câncer que nutrimos através de longas décadas? Ou seria melhor enrolar os habitantes com mirabolantes planos de urbanização que nos fariam ser algo próximo daquelas belas habitações gregas sobre as rochas de paradisíacos penhascos. Ou quem sabe remover e ocupar elegantemente, como se diz das privatizadas encostas de Búzios?
Parece meio cruel tratar este assunto desta maneira. Uma crueldade de dedo na ferida e não de concordar com caveirões. Meio injusto, talvez. Injustiça? Pode ser. Mas, diz-se desde de remotas eras, desde o tempo das primeiras favelas, não há como fazer omelete sem quebrar os ovos. Portanto, para encarar este tema que nos afeta o dia-a-dia, temos de admitir hipocrisias, omissões, fraquezas, conveniências e tudo o mais que costumamos usar em benefício de poucos e em detrimento de outros tantos. Assim, quem sabe, damos um passo adiante na construção de soluções, de preferência a milhas e milhas de distância da escola grega da retórica, tão prezada pelas nossas autoridades e intelectuais de plantão.
Muito bom este artigo!
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