Regularização fundiária em áreas de UPPs
Ignez Barretto
Muito se tem debatido a questão das ações sociais nas favelas da cidade ocupadas pelas UPPs. O Projeto de Segurança de Ipanema, é claro, concorda em gênero, número e grau com tal posicionamento. No entanto, estranhamos que nem uma só voz tenha tocado no que, a nosso ver, é o cerne da questão: a regularização fundiária e urbanística das favelas, dando aos seus moradores os títulos plenos de propriedade e "habite-se" para as suas casas.
Só com a autoridade de quem é dono do seu pedaço e pagador dos impostos e taxas devidos, é que o cidadão vai poder exigir de maneira eficiente que o poder público tenha presença constante em seu bairro e retribua os impostos pagos na forma de prestação de serviços e fiscalização. É também a propriedade de seu imóvel que vai estimular a necessária auto-fiscalização, tão importante e que acontece nos locais formalizados, de modo que os parâmetros estabelecidos para aquele bairro sejam realmente obedecidos por todos os seus moradores, impedindo inclusive a sua expansão, tema de matérias e editorial recentes no O Globo.
As melhorias sociais são muito bem-vindas e desejadas, mas se elas não vierem acompanhadas da regularização fundiária e urbanística, vão trazer o perverso resultado de adensamento daquele local, assim como não vão garantir a sua perenidade. Há muita confusão em torno do termo "investimentos sociais". Este, como está sendo usado atualmente, não passa de um conjunto de obrigações básicas dos governos em fornecer ao cidadão pagador de impostos: saneamento, água, luz, iluminação pública, coleta regular de lixo, limpeza urbana, creches, escolas, postos de saúde e segurança pública.
Muito tem se investido em comunidades carentes. Não é falta de dinheiro. Programas como o "Favela- Bairro" trouxeram muitos benefícios, mas exatamente porque não fizeram o trabalho completo, levaram ao adensamento das comunidades onde foram implantados. Só a Rocinha cresceu em mais de 25%!
Políticas sociais vão e vêm de acordo com o humor e interesse dos governos. Mesmo as UPPs, que contam com garantia legal de sua continuidade, não conseguem, como bem colocou o Secretário Beltrame, garantir a segurança de um local para todo o sempre.
Felizmente, nós do Projeto de Segurança de Ipanema (PSI) estamos tendo a excepcional oportunidade de participar do processo de regularização do Cantagalo -uma experiência de como a sociedade civil pode contribuir com boas idéias e parcerias para alcançar uma mudança necessária à população tanto da favela como de seu entorno.
A nossa luta está chegando a bom termo. A parceria entre o PSI, o Instituto Atlântico, a Associação dos Moradores do Cantagalo, Instituto Gerdau, escritórios Gorayeb & Mitchell Advogados, Souza Cescon Advogados e, mais recentemente, até com a adesão da Associação de Cartórios de Registro de Imóveis, e contando com a sensibilidade e seriedade do poder público - aí incluindo a colaboração da Secretaria Estadual de Segurança Pública com a implantação da UPP, do Governo de Estado na concessão dos títulos de propriedade e da Prefeitura do Rio com a instalação de um POUSO, prevista para muito breve - está possibilitando a regularização total do Cantagalo. Em reunião com a comunidade, no dia 2 de junho, os cartórios de registro se comprometeram a dar gratuidade ao registro de 4.000 propriedades, abrangendo o Cantagalo na sua totalidade.
É quase um sonho, mas a favela vai finalmente virar bairro! O Cantagalo vai fazer parte do bairro de Ipanema!
É animador verificar que a boa parceria entre a sociedade e o poder público pode dar excelentes resultados quando levada com seriedade e eficiência por ambos os lados.
Este é o caminho, e esperamos que sirva de exemplo para as outras favelas da cidade, do estado e do país.
Ignez Barretto é coordenadora do Projeto de Segurança de Ipanema (PSI)
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