DESABAFO DE UMA AMIGA DENTISTA ,COM CONSULTÓRIO EM IPANEMA
Assunto: Carta que enviei ao jornal o globo sobre o uso da maconha para bruxismo
Carta que enviei ao jornal o globo sobre o uso da maconha para bruxismo
A jornalista que admitiu uso de maconha para aliviar sintomas de dor miofascial provocada pelo bruxismo coloca em pauta um assunto importante, mas a questão com certeza é muito mais profunda e polemizar sobre o uso da maconha ou não para tratar os sintomas é simplesmente tentar enxugar a parte de cima de um iceberg. Alguns esclarecimentos são necessários antes de irmos ao “x” da questão.
A demora em descobrir e tratar a causa do bruxismo provoca a diminuição da altura dos dentes provocando uma perda de dimensão vertical e consequentemente um desequilíbrio muscular em decorrência do encurtamento das fibras musculares do masséter. Um problema agudo não tratado corretamente gera um problema crônico que pode se arrastar durante anos. Os pontos-gatilho miofasciais (Pgs) são extremamente comuns e, em algum momento tornam-se uma parte dolorosa da vida de quase todas as pessoas e em grande parte responsáveis pelo flagelo da dor musculoesquelética. O custo total é incalculável e a maior parte dele é desnecessária. Quando uma síndrome de Pg miofascial aguda é negligenciada e passa a ser crônica, torna-se desnecessariamente complicada, mais dolorosa e cada vez mais prolongada, frustante e dispendiosa. Para piorar ainda mais a situação quando a natureza miofascial da dor não é reconhecida os sintomas podem ser diagnosticados como neuróticos, psicogênicos ou comportamentais, o que certamente acrescenta ainda mais sofrimento ao paciente.
A Cannabis tem sido indicada em alguns países para tratar e prevenir náuseas e vômitos, para tratamento de glaucoma, bem como um analgésico geral e daí a explicação do seu efeito positivo no relaxamento da sua musculatura e melhora do bruxismo. O que não pode ser menosprezado é que o consumo da cânabis tem sido correlacionado em diversos estudos com o desenvolvimento de ansiedade, psicose e depressão.
A ativação de um Pg em geral está associada a algum grau de abuso mecânico do músculo na forma de sobrecarga muscular, que pode ser aguda, sustentada e/ou repetitiva o bruxismo é um dos grandes responsáveis por essa sobrecarga. Os Pgs podem ser ativados indiretamente por doenças viscerais, articulações artríticas, disfunções articulares e angústia emocional. Além dos sintomas clínicos produzidos por distúrbios sensoriais de dor referida os pacientes podem experimentar distúrbios clinicamente importantes das funções autonômicas e motoras que incluem sudorese anormal, lacrimejamento persistente, coriza persistente, salivação excessiva, desequilíbrios, vertigem, zumbido o que leva o indivíduo a procurar uma série de especialistas na busca de uma solução para seus sintomas.
O tratamento efetivo da síndrome de dor miofascial causada por Pgs envolve muito mais do que aliviar sintomas. É necessário considerar a causa e identificar e corrigir os fatores perpetuantes. Se o paciente não recebeu o diagnóstico correto como é possível começar a elocubrar sobre o uso de “novos” medicamentos.
E é nesse momento que entro no que inicialmente reportei com o “x” da questão. O diagnóstico das síndromes miofasciais é com certeza desafiante, e seu tratamento é multidisciplinar, mas talvez o maior desafio seja fazer a população entender o real valor do profissional da saúde.
O investimento profissional vai muito além do pagamento do aluguel e taxas, do material e da secretária. Sua ida a congressos, seus livros, seu tempo, sua dedicação, tudo isso é difícil de ser contabilizado. Difícil sim. Impossível não. Posso adiantar que esse custo vai muito além do que os planos de saúde pagam.
Um dentista poderia ter diagnosticado e tratado seu problema no início. O problema é que esse dentista precisaria ter, após o término de sua graduação, acesso a diversos cursos de pós-graduação. Esse dentista teria que ter condições suficientes para comprar livros, pagar contas e dedicar seu tempo para adquirir o conhecimento necessário para fazer um bom diagnóstico. É difícil para quem não é da área entender a quantidade de conhecimento necessário para nos tornarmos bons profissionais. A população dá mais valor a um sapato novo, um cabelo bem cortado, uma roupa legal, um perfume, um show bacana. Um jogador de futebol hoje é tratado com mais respeito e admiração do que um profissional de saúde.
O governo por outro lado não pensa sequer em voltar, prestem bem atenção, eu disse VOLTAR, a permitir que a população desconte do imposto de renda o valor INTEGRAL dos seus custos com educação.
Coincidência ou não, ontem entrei numa livraria e um dos livros de medicina que deixei de comprar tinha no título a palavra DOR. Custava mais de $300,00 reais. Lembrei de quanto investimento já fiz ao longo desses meus quase 14 anos de profissão e quantas horas de trabalho seriam necessárias para que eu pagasse meu investimento e sai de lá com as mãos vazias pensando em como faria para pagar em dia as contas do próximo mês.
Termino aqui essa carta sem a petulância de achar que cheguei perto de esgotar o assunto. Mas deixo a seguinte pergunta: E a dor dos profissionais da saúde? Quem vai resolver?
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