Foi publicada hoje no site do Reporter de Crime a resposta do Presidente da OAB-RJ à nossa carta aberta. Segue a íntegra da resposta abaixo:
Rio, 8 de novembro de 2007
Caros cidadãos do Projeto Segurança de Ipanema,
A Ordem dos Advogados do Brasil, por sua história de atuação no processo de redemocratização, nos movimentos sociais e na luta pela liberdade e pelos direitos humanos, não pode se omitir face à gravidade da situação de insegurança vivida no Rio de Janeiro e nas outras metrópoles brasileiras. E assim tem feito, ainda que à custa de eventuais incompreensões.
É verdade que não há áreas na cidade onde um cidadão de Ipanema, ou de outro bairro de classe média e alta, no volante de seu carro, à porta da escola onde busca seu filho, esteja a salvo de crimes violentos. Destes, infelizmente, temos exemplos, como a terrível morte do menino João Hélio, do jornalista Tim Lopes e outros que ganham as manchetes dos jornais diariamente. Mas, não podemos ser hipócritas. Nas comunidades pobres, como o Alemão e a Coréia, as pessoas de bem, os trabalhadores, as mães de famílias, têm o azar, ou a falta de oportunidade melhor na vida, de viver no fogo cruzado do tráfico e das operações policiais que, de acordo com a política de (in)segurança vigente, considera aceitável que morram inocentes, crianças de 4 anos ou uma idosa de 95 que assistia televisão no sofá da própria casa.
Os cidadãos de Ipanema, e os da Coréia, querem e têm o direito de ir e vir sem o terror do crime. O que os difere nos dias de hoje é que as garantias mínimas de respeito aos direitos civis, por parte do Estado, parecem valer apenas para uns. Ou seria aceitável, para os moradores da Zona Sul, operações de “caça” e tiroteios nos moldes das que ocorreram nas periferias?
Devemos expor também os resultados desse “enfrentamento” defendido pelas autoridades. Trata-se de uma política de segurança pública falida, que meramente repete práticas adotadas há mais de 10 anos. Dados do próprio Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro registram: no primeiro semestre de 2007, em relação ao mesmo período de 2006, houve redução de 410 casos de apreensão de drogas, o que correspondeu a menos 7,3%. No primeiro semestre de 2007, comparado ao mesmo período em 2006, houve redução de 14,3% no total de armas apreendidas pela polícia.
Certamente apoiamos o combate aos tráficos de drogas e de armas que permanecem na qualidade de grandes questões a serem enfrentadas, pois que, pelas especificidades brasileiras, os dois se retro-alimentam. A violência dos grupos armados cada vez é mais presente no cotidiano do estado do Rio, intensificando a vulnerabilidade (relativa, muitas vezes) e a sensação de insegurança das camadas médias da população. Por sua vez, estas tornam-se cada vez mais adeptas de saídas antidemocráticas no que tange à segurança pública, ao justificar desvios de conduta de policiais como permissíveis neste contexto de “guerra” e ao guiar as políticas de segurança pública para um chamado “enfrentamento” que apenas eleva o número de mortos.
Enquanto isso, não se discutem questões gravíssimas e estruturais da operacionalidade da segurança pública: a necessidade da desconstitucionalização das polícias, permitindo a cada estado adotar o modelo mais adequado à sua realidade; a transparência no monitoramento e avaliação destas políticas de segurança, o fortalecimento efetivo das Corregedorias de Polícia e uma Ouvidoria realmente autônoma e funcional. E ainda, o incremento de verdadeiras políticas de inteligência policial; desde que dentro da legalidade, metas que visem a produção de maiores taxas de resolução de crimes - produzidas por meio de corpo técnico específico e em apoio a uma hábil (e não discriminatória) justiça criminal -, entre outras questões igualmente urgentes.
Em linhas gerais, que se produza uma política de Estado que integre, transversalmente, as áreas sociais e de prevenção-repressão da criminalidade; que seja produzida a partir de cooperação entre os poderes municipal, estadual e federal, devidamente monitorados e avaliados pelos demais poderes constituídos e pela sociedade civil.
O que propomos, primeiramente, é que tais questões devem ser fundadas nos domínios da lei, com respeito à Constituição e aos direitos e garantias individuais de todos os habitantes. Em seguida, devemos estar atentos à segurança humana da população - principalmente dos grupos mais vulneráveis às mega-operações, já que seus custos (paralisação dos serviços essenciais, aumento das balas perdidas, crianças sem escola, etc.) não podem ser despejados sobre os próprios grupos que necessitam ser defendidos.
Por fim, é imperativo estarmos atentos ao fato de que não podemos continuar com uma política puramente emergencial que paute a segurança pública. Após as intervenções policiais, que não podem ser mantidas indefinidamente, estes espaços não devem ser retomados pelo tráfico ou por milícias - e, sim, por um Estado que garanta a todos, indiscriminadamente, o status (dignidade, em latim) de cidadãos da República.
Wadih Damous – presidente da OAB/RJ
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