ILEGAL E DÁ ??


Ilegal. E daí? Ciclistas, corredores e skatistas disputam espaço na orla sem respeitar as regras

  • Organização desses espaços públicos, no entanto, é alvo de quatro leis e decretos, dois deles de 1995
  • Bagunça predomina no lazer de fim de semana

ISABELA BASTOS(


Pedestres, corredores, ciclistas e skatistas se misturam na área de lazer lotada de Avenida Vieira Souto, em Ipanema: mesmo quando há regras, elas não são obedecidas, e não existe punição para os infratores
Foto: Marcelo Carnaval / O Globo
Pedestres, corredores, ciclistas e skatistas se misturam na área de lazer lotada de Avenida Vieira Souto, em Ipanema: mesmo quando há regras, elas não são obedecidas, e não existe punição para os infratores Marcelo Carnaval / O Globo
RIO — Era para ser um passeio de sábado com amigos. Mas o dia acabou na mesa de operação do Hospital Miguel Couto. Pedalando uma bicicleta de aluguel pela ciclovia da Lagoa, a estudante Giovanna Santa Rita Zoccoli, de 16 anos, foi atropelada por outro ciclista em alta velocidade. Mais velho e de cabelos grisalhos, o homem não parou para socorrê-la. E a jovem, desmaiada (com traumatismo craniano, como ficaria constatado mais tarde), foi levada à emergência por PMs. O acidente lança luz sobre a desordem urbana, a falta de educação e um crescente problema de convivência entre usuários de ciclovias e áreas de lazer da Zona Sul.
O GLOBO percorreu a orla nos dois últimos fins de semana e viu de tudo um pouco: dezenas de ciclistas rodando fora das pistas preferenciais; motos na área de lazer; skatistas e patinadores fazendo manobras arriscadas em meio a idosos e mães com carrinhos de bebês; e pedestres andando na ciclovia, ocupada irregularmente também por catadores de latinhas e entregadores de gelo, bebidas e quentinhas. Embora a organização desses espaços públicos seja alvo de quatro leis e decretos, dois deles de 1995, no vaievém de bikes, skates e tênis apressados, uma regra parece bem clara: ninguém fica no seu quadrado, e a bagunça predomina no lazer de fim de semana. Poucos foram os agentes da Secretaria municipal de Ordem Pública avistados percorrendo a ciclovia e a área de lazer.
— Minha filha nasceu de novo em janeiro passado. Ela pedalava junto com dois primos e o irmão, todos com idades entre 10 e 16 anos. Em certo momento, deu meia-volta para buscar o menor, que tinha ficado para trás. Foi quando aconteceu o acidente. Se estivesse de capacete, talvez não tivesse machucado tanto a cabeça. Mas as pessoas não podem correr na ciclovia do jeito como estão — reclama a mãe de Giovanna, Paula Zoccoli.
“Não respeitam a área de lazer”
Para tentar dar uma dimensão ao problema do mau uso das áreas públicas, O GLOBO fez uma contagem informal do número de ciclistas, skatistas e patinadores em circulação nas áreas de lazer da orla. No Leblon, em dez minutos, foram contabilizados 13 ciclistas, 16 skatistas e um patinador passando, por volta das 10h30m, pela pista fechada aos carros. Tudo em meio a crianças brincando, pessoas fazendo exercícios e idosos passeando.
Em Ipanema, às 11h20m do mesmo domingo de sol, foram vistos 17 skates, 11 bicicletas (sendo uma delas elétrica) e cinco patins na área de lazer. Em Copacabana, por volta do meio-dia, a contagem mostrou que o número de bicicletas passando na ciclovia em apenas cinco minutos (26) era menor do que o que circulava na área de lazer (27), prática proibida por lei. No bairro, por pouco a equipe não flagrou um menino de 2 anos sendo atropelado por um ciclista na área de lazer, na altura da Rua Siqueira Campos.
— É uma falta de educação. Não respeitam a área de lazer, que deveria ser apenas para caminhadas e para as crianças brincarem e aprenderem a andar de bicicleta. Quando o tempo está ameno, isso aqui fica muito cheio, e o risco aumenta — queixa-se a nutricionista Fabiana Rodrigues Pinto, que viu seu pequeno Pietro correr atrás de uma bola e quase ser atingido.
De acordo com o subsecretário municipal de Meio Ambiente, Altamirando Moraes, a presença de ciclistas na área de lazer é vedada por um decreto e uma lei municipal, ambos de 1995, que regulamentam as regras de ciclovias da cidade, e pelo Código de Posturas do Município, de 2008. Já o uso da ciclovia por patinadores e corredores é permitido, dependendo do trecho e desde que os últimos se mantenham alinhados à direita do sentido da pista, em passo de corrida e sem obstruir a passagem. Os skatistas, diz Altamirando, são tolerados na ciclovia por analogia com os patinadores. A bicicleta elétrica tem um decreto à parte, publicado pelo prefeito Eduardo Paes no ano passado, estabelecendo a velocidade máxima de 20km/h nas ciclovias.
Já na área de lazer, se a legislação diz que o ciclista é persona non grata (a exceção são as crianças de até 8 anos), skatistas e patinadores habitam uma zona de sombra, sem qualquer referência a eles. Segundo o subsecretário, a cidade precisa rever suas regras de uso de áreas de lazer e ciclovias, para atender ao crescimento da utilização desses equipamentos, sobretudo o skate, uma febre na orla e muito empregado em pequenos deslocamentos nos bairros.
— A sociedade está caminhando para novos usos de meios de transporte sustentáveis. A legislação vem a reboque dos costumes. No Rio, ela precisa ser aperfeiçoada porque já temos skates e bicicletas elétricas. No caso das bicicletas elétricas, o Código de Trânsito remete hoje para uma regulamentação municipal. Mas o Denatran está trabalhando numa regulamentação para o país todo. Enquanto isso, vale o bom senso. Skate fazendo zigue-zague não pode nem na ciclovia — diz Altamirando.
ONG defende ampliação de ciclovias
Os conflitos entre ciclistas, corredores, pedestres, skatistas e patinadores têm crescido na mesma velocidade do avanço das bikes na cidade: já são cerca de três milhões de magrelinhas, 30% delas rodando diariamente no Rio, segundo a ONG Transporte Ativo. A prefeitura diz que são feitas 700 mil viagens de bicicleta por dia em toda a cidade, seja a trabalho ou a lazer, 60 mil delas apenas em Copacabana.
— Se todo mundo resolvesse tirar a bicicleta de casa ao mesmo tempo, as ciclovias não dariam conta. Em algum momento, o poder público terá que ampliar a ciclovia na largura e pensar em novas rotas — diz José Lobo, presidente da ONG, lembrando que é preciso fixar as regras para skatistas e patinadores fora da ciclovia.
O secretário municipal de Ordem Pública, Alex Costa, alega que os guardas municipais são orientados a alertar ciclistas e pedestres sobre o uso correto das ciclovias e áreas de lazer. Mas ele ressalva que, em caso de abuso, os agentes não têm como punir os infratores, por não haver uma regulamentação específica que permita à autoridade pública exigir os documentos de ciclistas e pedestres.
A prefeitura, diz o subsecretário de Meio Ambiente, tem tentado correr atrás do prejuízo com o programa de educação Rio Capital da Bicicleta, que percorre o comércio e dá orientação sobre boas práticas nos espaços públicos.

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