Tá sobrando milho
Coestrelas do Festival do Rio, pipoqueiros sofrem com a baixa presença do público
Coestrelas do Festival do Rio, pipoqueiros sofrem com a baixa presença do público
O Globo
RIO - Há 40 anos vendendo pipoca, Arlindo de Souza Santos, 60 de idade, conhece como ninguém o Cine Odeon. Nas duas últimas décadas, ele é o pipoqueiro oficial do cinema do Centro do Rio. De tão tradicional, já se tornou uma das estrelas da casa. Durante as pré-estreias, as celebridades fazem questão de tirar foto com ele. E com a autoridade de quem esteve presente em todas as edições do Festival do Rio, afirma que a atual tem o movimento de público mais fraco da história.
De tão experiente, seu Arlindo já sabe de cor a quantidade de ingredientes que devem ser comprados. Para abastecer durante uma semana sua carrocinha, são necessários 30 kg de milho, sete latas de óleo e quatro caixas de leite condensado. Em tempos de festival, ele compra para os mesmos sete dias 35 kg de milho, 12 latas de óleo e seis caixas de leite condensado. O problema é que este ano o milho está sobrando.
- Quando estava passando "Os normais 2", nós vendemos bem mais do que agora - contou dona Isa, de 57 anos, sua esposa e fiel companheira de trabalho.
Das duas, uma: ou este ano o público do festival está abaixo das edições anteriores ou os cinéfilos estão consumindo menos pipoca. Mas o fenômeno não se passa apenas no Odeon. Outros pipoqueiros andam insatisfeitos com as vendas deste ano.
Um deles é Antônio Neri Leal, de 51 anos, 25 deles passados em frente à porta do Espaço de Cinema, em Botafogo. Quem passa pelo local certamente já reparou em sua carrocinha. Além de fazer pipoca, Antônio também faz poesia. E em inglês ("Eu dito para minha filha e ela traduz"). Elas ficam coladas no vidro do carrinho, junto a um texto que revela como ele prefere ser conhecido: "Prepare for the delicious illusions of the Lord's Popcorn" (Sic).
Durante a exibição do documentário "Simonal, ninguém sabe o duro que dei", Antonio vendeu tanta pipoca que pôde reformar a carrocinha. Achou que daria a mesma sorte no festival. Mas até agora só se decepcionou.
Drama maior vive Cláudio Carvalho, o pipoqueiro do Estação Ipanema. O movimento do local tem sido tão fraco que ele prefere se distanciar do cinema e ficar perto das galerias comerciais mais próximas. Mas, ao contrário dos demais, Cláudio parece conformado com a situação. Ele tem, inclusive, uma explicação para a baixa adesão dos frequentadores ao seu produto.
- O público daqui prefere café com bolo - disse.
A concorrência com os cafés e lanchonetes que hoje todos os cinemas possuem em seu interior não chega a incomodar os pipoqueiros. A experiência lhes ensinou que a tradicional pipoca vendida na rua sempre terá seu público.
- Tem gente que prefere a pipoca sabor manteiga feita nas máquinas, mas também tem quem ache que ela só deve levar óleo e sal - afirmou Elias da Silva, pipoqueiro do Leblon há um ano e meio que em toda a vida nunca pôs os pés dentro de um cinema. - Não tenho a menor ideia de como é.
Aliás, a relação dos vendedores de pipoca com o cinema é curiosa. Apesar de estarem toda dia por lá, os filmes não costumam fazer parte de suas vidas. Em alguns casos por falta de tempo, em outros por falta de interesse.
Ainda assim, cada um tem um filme que gostaria de assistir no festival. Dona Isa, por exemplo, busca um tempo na agenda para ver "Bellini e o demônio" ("Eu adoro o Fábio Assunção"). Já Antônio quer arrumar um tempinho para conferir a comédia "Embarque imediato" ("Gostei do cartaz", justifica).
Mas todas as vezes em que o pipoqueiro do Espaço de Cinema tenta assistir a uma sessão é abordado por um cliente insatisfeito com o fato de não haver ninguém vendendo pipoca do lado de fora. Como irá fazer, então, para assistir ao filme do cartaz engraçado?
- Agradando minha filha, quem sabe ela não fica duas horinhas no meu lugar?
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