CARTA AO JORNAL O GLOBO


Para seu conhecimento, segue carta tamanho Velho Testamento enviada ao jornal. Não para ser publicada, mas muito mais importante, quem sabe vira pauta. Vou torcer para que isso aconteça.
: cartas@oglobo.com.br


Prezado Srs. Editores,

Sobre ótimo e muito oportuno o texto de Ignez Barreto, Opinião, pg 7, de 16/fev/11, acredito que a Prefeitura do Rio precisa de um Estudo de Impacto sobre o Meio Antrópico antes de autorizar o número de blocos. E exigir um SEGURO e dos patrocinadores que garanta a reconstrução do bairro imediatamente após os dias de caos.

Entre vários questionamentos, o estudo de impacto sobre o meio antrópico poderia nos esclarecer:

- Quanto esse número abusivo de blocos fere o decreto Nº 23.161 de 21 de julho de 2003 que declara o BAIRRO INTEIRO de Ipanema um sítio cultural e estabelece a Área de Proteção do Ambiente Cultural?

- Quanto a prefeitura DEIXA de arrecadar em impostos dos estabelecimentos legalizados? O ambulante ilegal e sem nenhuma relação com o bairro "democraticamente" rouba o cliente de botecos, bares, restaurantes simples ou sofisticados. Ninguém consegue atravessar as multidões para chegar aos restaurantes. Lojistas nem têm coragem de abrir as portas durante o período em que poderiam fazer vendas espetaculares para turistas de todas as partes do Brasil e do planeta.

- Qual é o impacto no meio ambiente? Quem vai garantir que a recuperação da vegetação nativa da orla vá aguentar o tranco? Ecologia, preservação, conservação são assuntos sérios. Por que autorizar a destruição do trabalho espetacular do Instituto e, que vem recuperando a restinga nativa da orla? Os trechos recuperados mal aguentam o movimento gigantesco do verão; alguém sabe quanto sobrará depois da passagem de 30 e tantos blocos?!

- Qual é o impacto no ambiente social de se impedir a vinda democrática de todas as camadas da sociedade, inviabilizando na prática a vinda do turista mais abastado, em geral, mais exigente? Por que não a ótima e tradicional mistura de classes, do mais simples e durango ao ricaço, mistura tão característica do bairro, principalmente da Vinícius à Jangadeiros? Existe uma coisa em comum entre os muito abastados e os cachorros urbanos (de companhia): dão muito emprego. Muito mesmo!

- Qual é o impacto no trânsito do bairro e da cidade?

- Qual é o impacto na segurança pública?

- Qual é o impacto na praia, já que Ipanema tem, comprovadamente, a areia mais poluída da cidade inteira?

- Qual é o impacto na pavimentação de vias e calçadas? Qual é o impacto no bolso do contribuinte - morador e/ou empresário - que precisa refazer suas calçadas, canteiros, todo ano, após o período mais caótico? Quanto a cidade gasta na repavimentação das vias principais de Ipanema, que não agüentam esse descontrole que vem crescendo no Carnaval ano após ano?

- Qual é o impacto de se tratar Ipanema como "casa da mãe Joana" no processo de decisão de um grande grupo internacional, em adquirir e reformar adequadamente hotéis aqui? Por que não causa surpresa que grandes grupos europeus como o Espírito Santo invistam muito mais em outras regiões do Brasil (transformando hotéis medianos - para não dizer pior - em verdadeiramente locais de primeiro time)?

- Quanto a Prefeitura do Rio conhece de hotelaria internacional verdadeiramente cinco estrelas (como em Nova York, Paris, Londres, Roma, Tóquio etc.)? O Brasil tem excelência em muitas áreas, mas definitivamente não conhece praticamente nada de hotelaria de primeiríssimo time. Por mais que a gente ame o prédio do Copacabana Palace, qualquer pessoa minimamente informada sabe que hoje o turista abastado, que quer gastar, mas é exigente, espera um mínimo. E o queridíssimo Copacabana Palace não chega nem perto. O Rio precisa, mas não têm esse mínimo. Tem o Fasano, ok e não é à toa que 99% dos famosos se hospedam lá em vez de no Copacabana Palace (os telefones não devem estar encardidos, os lençóis devem ter mais fios, as roupas de cama e banho devem ser usadas no máximo dez vezes). E existem também dois ou três pequenos hotéis boutique. Hotelaria de primeiríssimo time gera muito emprego, muita renda, muita arrecadação! A única coisa de primeiro time que a maioria dos os hotéis do Rio têm, sem merecer, é o preço da diária.

Aliás, saindo um pouco de Ipanema, qual é o impacto no ambiente cultural da cidade se for verdade mesmo que o Hotel Glória vai ser rebatizado Glória Palace, banalizando uma identificação histórica do Brasil com o Hotel, além do constrangimento de fazer com que o magnífico Glória, ao renascer moderno, bacana, esplendoroso, perca uma de suas principais marcas: o seu nome. E ainda por cima Palace? Não é possível que a Prefeitura não tenha meios de conversar com o proprietário sobre isso. Mesmo que a intenção do empresário seja a de adquirir todos os Palaces do Rio, e ainda o Copacabana Palace, preservar o nome do Glória é fundamental.

- Voltando à Ipanema, qual o impacto no turismo, que perde no ano seguinte o turista que investe de verdade nos serviços da cidade, mas que fica muito descontente com o fato de a Prefeitura praticamente entregar de mão beijada o Arpoador e a praia junto ao calçadão a pessoas acampando de forma improvisada o verão todo, com travesseiros e colchões que lembram as imagens do Haiti pós-terremoto, pessoas que cozinham em fogareiros a céu aberto, deixam rastros de fezes humanas por todo o canto e toma banho no calçadão com água doce (dos chuveiros irregulares) coletada em latas de tinta de 18 litros e isso acontece desde o Natal até depois do desfiles das campeãs?

- Qual é o impacto no ambiente cultural de Ipanema enfiar goela abaixo do bairro todos esses blocos? Tirando a Banda de Ipanema, por toda a sua história, e o Simpatia é Quase Amor, que com mais de 1/4 de século ajudou a trazer de volta ao Rio os blocos de rua, quanto os outros 30 têm a ver com o bairro? Tavez dois ou três tenham, talvez todos tenham, mas será mesmo? O que o trio elétrico da Preta Gil ou o bloco do Afro-reggae tem a ver com Ipanema? Por que não promover o carnaval na própria comunidade ou próxima dela ou em região no meio do caminho entre as duas?

- Qual seria o impacto para o carnaval de rua do Rio de Janeiro se a Prefeitura incentivasse e autorizasse blocos gigantes em outras regiões? Adoramos o carnaval de rua, mas apoiamos a ida deles para outros locais, espalhando-os pela cidade, principalmente a região central da cidade, e bairros tradicionais como Tijuca, Grajaú, Rio Comprido, para onde se pode ir de ônibus, metrô, táxi ou mesmo carro próprio. Na região central, com as empresas fechadas no feriado, estacionamento e avenidas enormes, não vai faltar espaço para os tais milhares de banheiros químicos e os milhões de foliões.

- Qual é o impacto (político, social, ambiental, racional, econômico, visual, turístico) de paredões de banheiros na orla de Ipanema, mesmo na muito remota possibilidade de eles não estarem fedendo? Eles fedem desde a instalação, quem já presenciou a cena sabe disso. Esse impacto seria muito menor na região central, já que é muito maior, tem muito mais empresas do que residências e ótimo transporte público.

- Por que concentrar tantos blocos em um bairro com uma artéria principal e apenas 12 transversais?

-Ipanema é Rio. Mas a região central também é. E o Grajaú, Tijuca, Rio Comprido, Vigário Geral. Por que não incentivar grandes blocos a sair em outras regiões?

- Qual seria o impacto para a cidade, comerciantes, donos de imóveis etc. de se promover e facilitar a saída de blocos em regiões da Zona Norte e Zona Oeste, cheias de tradição, ginga e que também são a cara do Rio de Janeiro tanto quanto Ipanema?

- Por que abusar de forma tão agressiva, chucra, suja e egoísta de Ipanema? Por que o Rio de Janeiro quer matar essa galinha dos ovos de ouro?

- Qual seria o impacto econômico se Ipanema tivesse "apenas" 100 mil pessoas no Simpatia e 100 mil na Banda e essas forem as únicas a desfilar? Quanto a cidade deixaria de arrecadar? Ou será que seria “quanto alguns blocos perderiam em patrocínio”?

O estudo de impacto sobre o meio antrópico precisa ser feito por especialistas, acompanhados de acadêmicos de notório saber das grandes Universidades do Rio, e que nos apresente respostas realmente técnicas para as questões acima. Mesmo colocadas de forma um tanto amadoras, acredito que minhas dúvidas são pertinentes e que mereceriam atenção da cidade, da Prefeitura, dos editores do jornal.


Obrigada,

Cristina Franco

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