PASQUIM 0 40 ANOS



O Pasquim não se levava a sério...

Imagem é tudo: enquanto a grande imprensa reproduziua sua sisudez no visual do jornal, O Pasquim ousava ao fundir texto e imagem, dando igual destaque à produção de jornalistas e cartunistas (Foto: Desiderata / Reprodução)


Neste artigo, o jornalista e pesquisador Átila Bezerra revisa a trajetória de O Pasquim

Parece piada, para gente que comemora os 40 anos de lançamento do seu primeiro número e nesse momento deve estar festejando a memória do jornal com Ziraldo, Jaguar, Luís Carlos Maciel, Miguel Paiva, Sérgio Cabral e demais da patota, no Rio de Janeiro, de preferência em algum boteco de Ipanema. Desde o dia 26 de junho de 1969, o Pasquim já não se levava a sério, eu disse, mas os militares no poder o levaram. E muito!

Pode-se dizer que a publicação de “um cartum” apenas foi o estopim para a prisão de nove cartunistas e jornalistas pelos milicos irados. Prisão que foi até matéria no New York Times. O desenho em questão era meio que uma charge - pela sua atualidade e crítica de natureza política - baseada numa montagem feita pela patota sobre um quadro (“vagabundo!”, diria Jaguar) do pintor Pedro Américo, onde Dom Pedro I às margens do riacho Ipiranga proclama a Independência do Brasil. No lugar do histórico (e questionável) “Independência ou morte!”, lia-se num balão de fala de quadrinhos: “EU QUERO MOCOTÓ!!”. Referência ao hit musical do cantor Wilson Simonal, considerado, pelos pasquineiros, colaborador da ditadura.

Imagine práticas semanais como essa chegando aos olhos dos moralistas de plantão, militares linha dura que ainda festejavam o AI-5, parte da classe média que apoiou o golpe e demais pessoas sentadas na sala de jantar. Muitas delas proibidamente se deliciando, escondidas da sociedade, a entrevista com Leila Diniz que rompia completamente com padrões de comportamento socialmente aceitos e, de certa forma, inaugurava oficialmente (mesmo após o fenômeno revista Cláudia e Carmen da Silva) a liberdade feminina no Brasil, com circulação garantida pelo IVC - Instituto Verificador de Circulação - de 220 mil exemplares, número estrondoso para um veículo da Imprensa Alternativa.

Foram cartuns, charges, entrevistas, montagens fotográficas, capas, frases lemas, ilustrações, Pasquins-novelas, Pôsteres dos Pobres que, passando pela censura de uma forma que exigia apenas uma dedução inteligente do leitor, inovaram a forma de se fazer humor, jornalismo e trouxeram a linguagem cotidiana pra mais perto da imprensa. A entrevista sem rodeios, sem edição, ou, como se dizia na linguagem jornalística, sem “copidesque”, tal qual se dá numa conversa informal, foi uma das descobertas do semanário carioca que, como diz Jaguar, “fez o Pasquim tirar o paletó e a gravata da imprensa brasileira”.

Humoristas e jornalistas que dificilmente se juntariam num veículo da chamada grande imprensa de então, por serem muito talentosos e custarem caro, marcaram as gerações dos anos 1970 e 80 com suas pautas regadas a uísque e discutidas no Jangadeiro’s ou no Zeppelin. Paulo Francis, Sérgio Cabral pai, Tarso de Castro, Ivan Lessa e Luís Carlos Maciel exclusivamente nos textos. Escrevendo ou desenhando vale lembrar cartunistas/jornalistas como Jaguar, Ziraldo, Miguel Paiva, o convívio da velha geração com uma de novos, como o mestre maior Millôr Fernandes, Luis Fernando Veríssimo (que também desenha, viu?!) e mais no traço o mineirinho Henfil, o inesquecível Fortuna, Claudius, Nani, e a aparição de alguns dos Cassetas, como Hulbert e Reinaldo, sem esquecer a participação especial de nosso Mino.

Os personagens das tirinhas passaram a ser familiares ao leitor brasileiro. É o caso da Graúna, de Zeferino, dos Fradinhos, de Ubaldo, o paranóico, e do Cabôco Mamadô - de Henfil; da Supermãe, dos Zeróis e de Jeremias, o bom - de Ziraldo - e também de Tânia, a fossa, da Anta de tênis e do inesquecível ratinho Sig - de Jaguar - mascote e avatar do Pasquim, que até hoje vem facilmente à memória como identidade do jornal. Sig acompanhava o espírito de cada edição, rindo das adversidades, servindo como mini-editoriais desenhados e, como se diz hoje, tirando muita onda da própria situação que os contextos social e político da época traziam aos que sonhavam com dias melhores.

Texto/ imagem

No Pasquim, de uma maneira particular, o texto, o desenho e os contextos dialogavam, complementando-se. Outras vezes agiam separadamente, mas unidos ao longo das páginas na construção editorial e gráfica do jornal, sendo a caricatura e suas subdivisões - desenho de humor, charge, cartum e tirinhas - marcas de identidade do jornal. Mas quem pensa que o Pasquim se resumiu apenas à crítica a ditadura, se engana. Tudo era motivo de pauta para os pincéis e as máquinas de datilografar nas edições do Pasquim: política internacional, artes, comportamento, problemas sociais. Diz-se que o jornal carioca foi quem cunhou pela primeira vez a palavra Ecologia na imprensa brasileira e a gíria que se tornou palavra, “dica”, em trechos curtos que valiam como notas que iam de teatro, cinema e literatura até opiniões rápidas sobre política, economia, fatos internacionais ou mesmo sobre a própria ditadura.

Quem pensa também que era um jornal da esquerda oficial, enganou-se novamente. Era de esquerda, sim. Mas mais pra esquerda festiva - nem um pouco careta ou sectária. Esquerda festiva tipo banda de Ipanema, réveillon de Albino Pinheiro, tanga de crochê de Fernando Gabeira na praia - que publicou “O que é isso Companheiro?” pela editora do Pasquim, a Codecri - ou mesmo Betinho - o irmão do Henfil - sendo carregado nos ombros da multidão no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, vindo do exílio.

Hoje, cartunistas consagrados como Angeli e Laerte e publicitários como Washington Olivetto, da W/Brasil, além da turma do Casseta & Planeta, admitem as influências do Pasquim. Tentativas de recuperar o passado foram feitas por Ziraldo e Jaguar com a revista Bundas e o jornal O Pasquim 21. Muito talento para um público que parece ter migrado cada dia mais para o humor na Internet. Por falar nisso, se formos para nossos dias, podemos pensar que fotomontagens em blogs como Kibeloco ou Jacaré Banguela devem muito à escola Pasquim. Desde 2007, estão sendo lançadas antologias com material diverso publicado no Pasquim, pela editora Desiderata, e que se você quiser ter na sua biblioteca vai te proporcionar horas e horas de risadas, além de ficar bonito na estante pelo seu excelente acabamento gráfico. A terceira edição - com material de 1973 e 1974 - foi lançada agora, em comemoração aos 40 anos, além de um especial de 40 páginas com algumas das memoráveis capas.

Ler o Pasquim hoje, numa pesquisa na Universidade, é se deliciar com um documento que conta a história do País sob um ponto de vista do humor, do riso, da ironia, do sarcasmo, do escárnio, da balbúrdia, da brincadeira, da galhofa. Um humor inteligente, corajoso, em desenhos que recuperaram nossa vontade de acreditar que, mesmo em meio às adversidades, é sempre possível pensar num país mais democrático, mais igualitário, mais humano. É saber que, mesmo com a seriedade que uma pesquisa acadêmica exige, somos levados pelas gargalhadas que mostram o Brasil moleque, chegando-se a conclusão que o brasileiro não leva mesmo nada a sério. E pra que levar?! Vamos comemorar os 40 anos do dionisíaco Pasquim no botequim mais próximo!

Átila Bezerra*

Um comentário:

  1. Olá jovem de toda e qualquer idade,

    Apesar de ser um escritor 100% desconhecido por você (e talvez este ar de mistério aguce a sua curiosidade), se me conceder os próximos 5 minutos de seu tempo como leitor, isto poderá mudar de uma forma gratificante para nós dois.

    Pelo que percebi, você gosta de postar textos interessantes em seu blog, sendo assim, somente peço que conheça as minhas pérolas textuais, e caso goste, divulgue-as em seu Blog. Inicialmente gostaria de convidá-lo para conhecer meu livro: “Hoje é seu aniversário – PREPARE-SE” (Autor: Antonio Brás Constante).

    Breve resumo super resumido da obra: Livro de Crônicas, que pretende ser um genérico ao do escritor Luis Fernando Veríssimo (também sou fã do Veríssimo), ou seja, autor diferente, mas com o mesmo princípio ativo: O HUMOR. Os textos são temperados com generosas pitadas humorísticas, para jovens dos oito aos oitenta anos e também de outras faixas etárias. Textos leves e similares a uma ave-maria (pois eles também são cheios de graça), que poderão ser saboreados até a última letra. Caso queira conhecer um pouco mais sobre meu trabalho como escritor basta acessar o site: Recantodasletras.uol.com.br/autores/abrasc

    Os exemplares do livro poderão ser adquiridos no site da editora AGE: www.editoraage.com.br

    Resolvi viajar pelos perfis deste imenso universo virtual chamado de BLOG, divulgando minha obra e conhecendo novas pessoas (virtualmente falando). Espero sua visita em meu perfil. Contatos pelo e-mail: abrasc@terra.com.br . Um grande abraço, tão grande quanto à distância entre nossos braços. ABC

    P.S: Se eu já passei por aqui e deixei este recado me desculpe, mas foi pq acabei andando em círculos...

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