ILEGAL E DAÍ?

Irregularidades

Policiais infiltrados flagram ação de flanelinhas no Rio

Natanael Damasceno e Vera Araújo


RIO - Quinta-feira, 22h. Na Praça Nossa Senhora da Paz, uma das mais movimentadas de Ipanema, dezenas de motoristas disputam uma vaga de estacionamento. E, em torno das casas noturnas que garantem o movimento do lugar, pelo menos seis homens disputam a atenção de quem quer parar naquela área. Eles abordam e orientam os motoristas a estacionarem - nem sempre em locais permitidos - e cobram pelo serviço. No ar, há sempre uma ameaça:

- Pô doutor. Deixa uma "pele" que a gente fica de olho - disse Paulo Roberto Cabral de Souza, de 51 anos, a um policial infiltrado.

Fingindo não entender o termo, o investigador indaga:

- Pele?

Paulo explica:

- R$ 5 está bom. E ninguém mexe no carro.

Bando atua após a saída de funcionários da Embrapark

De acordo com o delegado titular da 14 DP(Leblon), Fernando Veloso, cuja equipe de investigadores vem acompanhando a ação dos flanelinhas nas ruas do bairro, Paulo é o cabeça de um dos grupos de guardadores ilegais que dominam as vagas do Rio Rotativo. Eles atuam depois que os funcionários da Embrapark deixam o local e chegam a cobrar até R$ 50 dos motoristas.

Na última semana, no entanto, uma operação da 14 fez com que Paulo e outros quatro flanelinhas interrompessem a noite de lucros. Depois de dias de gravação que mostram o assédio dos flanelinhas aos motoristas, 15 policiais os levaram para a delegacia e, com o apoio da Guarda Municipal e da Secretaria Especial da Ordem Pública, rebocaram um dos veículos estacionado irregularmente.

Além de Paulo, foram detidos Rosenilton Nascimento dos Santos, de 30 anos; Marcio da Cruz Santana, de 27 anos; Rogério de Andrade Silva, de 38; e Janderson dos Santos, de 18, o único que não tinha anotações criminais. Marcio e Rogério já tinham sido detidos por atuarem como flanelinhas na região. Além disso, Rogério e Rosenilton tinham sido presos por assalto e tentativa de assalto à mão armada.

- Eles agem como uma quadrilha. A nossa ideia é mostrar que eles não agem isoladamente. Os flanelinhas combinam entre si e, muitas vezes, há o apoio de policiais corruptos. Fincam raízes e criam até milícias urbanas - disse Veloso.

Apesar da aprovar operação, vítimas não denunciam

As queixas contra os flanelinhas lideraram os tweets do perfil ILEGALeDAI. . A maioria reclama dos valores cobrados e da forma como os guardadores agem extorquindo dinheiro de motoristas. Em alguns lugares a cobrança chega a R$50.


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No episódio de quinta-feira, após a ação da polícia, os frequentadores de casas noturnas, entre espanto e curiosidade, comemoraram a operação. Nenhum deles, entretanto, cogitou a hipótese de ir à delegacia para denunciar os guardadores:

- Até que enfim. Acho que tem que fazer isso mesmo. Mas não dá para a gente ir na delegacia.Você dá queixa, e, na semana seguinte, os encontra novamente - diz Edson Hipólito, de 26 anos, que estava com amigos em frente à boate Baronetti.

Apenas um casal de jovens foi à delegacia, mesmo assim porque teve o seu veículo, que estava sobre a calçada, rebocado. O motorista, Anderson Oliveira, de 29 anos, disse que só parou o carro sobre a calçada porque Paulo afirmara que não haveria problema. Ele disse que pagou os R$ 5 pedidos pelo flanelinha para não ter o carro danificado.

Segundo Veloso, as afirmações do jovem podem levar à conclusão que houve uma ameaça velada, o que não foi suficiente para configurar a ação como extorsão.

- Policiais têm sido infiltrados entre estas pessoas. Eles tentam fazer imagens, tentam registrar, colher alguma prova que evidencie que estas pessoas praticam extorsão. Mas ainda assim, sem o depoimento das vítimas dizendo que houve ameaça, fica muito difícil.

De acordo com o delegado, a ausência de depoimentos que incriminem os flanelinhas é a maior dificuldade da polícia para resolver o problema e, nesse caso, foi crucial para o resultado final da operação: depois de dias de trabalho e de horas de gravação, todos foram soltos após serem autuados por exercício ilegal de profissão, uma contravenção.

- É inegável que ao submeter essas pessoas à Justiça, a gente está dificultando muito o trabalho do Ministério Público e até a ação do juiz. Fica muito mais difícil essas pessoas serem responsabilizadas e submetidas às penas do crime de extorsão, sem que as vítimas sequer tenham sido identificadas. E, na maioria dos casos, a pessoa não quer nem se identificar para o policial que esta fazendo esse trabalho.

O delegado disse ainda que, independente da contribuição das vítimas, os policiais vão continuar se infiltrando entre estas quadrilhas:

-Mas não se pode negar que vai ficar muito mais fácil os flanelinhas continuarem impunes. Precisamos que a sociedade faça a sua parte.

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