O CORNETEIRO DA PIRAJÁ












O CORNETEIRO DA PIRAJÁ

Escultura dá o tom para Ipanema enfrentar o inimigo

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

Quem sai da boate Baronetti e olha para a direita da Praça Nossa Senhora da Paz,se olhar com firmeza e imaginação,vai ver já no canto da Maria Quitéria o Bar Varanda,do ator Nelson Xavier,o pai da Deborah Secco em “A favorita “.Ali toda noite,artistas e boêmios de Ipanema,ajudado pela fantasmagoria das noites de bruma do inverno carioca,escondem-se dos militares e discutem como escapulir do AI-5,que acabou de ser baixado.
Estive lá mês passado,entrevistando Leila Diniz,e vi o exato momento em que o pintor Albery,a pretexto de lançar o happening na cidade,entrou pelo bar no alto de um elefante e disse ser o novo Picasso.Ninguém obstou.Não é de hoje que acontece de tudo em Ipanema,um bairro feito para isso e que mantém,quando alguém lhe passa a língua no cangote,o sabor de um velho comercial da Coca-Cola.Primeiro,estranha-se;depois entranha-se- e finalmente ganha-se a vida assim.
Ipanema é um quintal da memória carioca onde o bicho está solto não é de hoje.Os tatuís passeiam orgulhosos entre os dedos da Duda Cavalcante,da Vera Barreto Leite e da Cyntia Howlett.Há um cachorro,o Barbado,que tomachope mais adiante,no Bar Jangadeiro,na Praça General Osório.Há um hamster no bolso da camisa do escriturário-boêmio Hugo Bidet.Há um coelho correndo entre as mesas do Zeppelin,na Visconde de Pirajá,embora não esteja claro se é de verdade ou produto do ‘delirium tremens’ dos freqüentadores do bar.
Ipanema é o que se quiser lembrar.
Ao lado da Baronetti fica o restô-bar Boox.
Quem sair dele ,já na rua Joana Angélica,e olhar para a esquerda com muita delicadeza e consideração,verá que nas noites de inverno batem com mais insistência as asas dos anjos da butique Fiorucci,da Glorinha Khalil.Eles trabalham duro.
Desde que veio ao mundo,debaixo de uma mesa do bar Mau Cheiro,ali por volta de 1959 no Arpoador,o homem briga com seu vizinho por causa de mulher ou algum esbarrão.Tem tarefa insana,quase perdida,mas os anjos da Fiorucci zelam para que os homens não se percam mais nesta existência tão mal cumprida e para alguns já bem mais comprida que o itinerário do bonde 13,todo dia entre o bar Vinte e o tabuleiro da Baiana.
Quando os anjos falham,é a vez de Ruben Braga,do alto da sua torre na Rua Barão da Torre 42,soltar os colibris.Reza,sempre em forma de crônica,para essa mania de se matarem ao redor da Praça Nossa Senhora da Paz.
Ipanema é um bairro assustado,cercado de fantasmas por todos os lados,sendo que alguns ainda permanecem vivos na retina dos pescadores mais velhos,como o Júlio Rego,todos chupando um picolé de manga do Moraes,a Sorveteria das Crianças.Convive-se diuturnamente com palavras que nunca passam de duas sílabas -tufu, sifu- e também com assombrações reais como a da Mulher de Branco,uma andarilha das praias.Ela é passageira de uma viagem que começa entre os surfistas do Arpoador,muda-se para a ‘jeunesse dorée’ do Castelinho,dá um tempo nas barracas intelectuais da Montenegro,deixa os pentelhos de fora no Píer e forma banda de rock no Sol Ipanema.
Até hoje a Mulher de Branco corre atrás das latas de maconha despejadas pelo navio grego no Posto Nove.A filha desta Chiquita Bacana faz tatuagem no Coqueirão e , à noite,no espaço ao lado onde Danuza Leão reina como ‘directrice’ do Hippopotamus,ela tem os cabelos puxados pelos playboys na Baronetti.
Freud já desistiu faz tempo,mas Mãe Valéria de Oxossi entrega panfletos todos os dias embaixo do letreiro luminoso da Confeitaria Chaika prometendo explicar,num escritório naquele mesmo quarteirão,o que vai na alma atormentada de Ipanema.
“Você não precisa dizer nada”,garante o folheto,”Mãe Valéria dirá tudo”.
Há alucinações perfeitamente explicáveis,como a dos patos que apareceram atropelados na Visconde de Pirajá.Morrem porque têm fome.Quem sai da Baronetti,do Boox,do varanda ou do Hippopotamus já observou que os patos da praça e,em busca de comida que a prefeitura não lhes dá,vão à luta.Acabam mortos embaixo do Camões,aqueles ônibus que na frente tem apenas a janela avançada do motorista.
Ipanema é um bairro de delícias para maiores de idade ,gente que sabe o significado “Yolesman crisbeles!”,escrito no abre alas da Banda,por isso o espanto das desgraças recentes de seus jovens.Ao cruzar as ruas do bairro,recomenda-se cuidado.Pode passar Rose de Primo inaugurando a tanga,pode passar o bonde de lutadores de jiu-jìtsu.
Na esquina de Garcia D’Ávila,a escultura do “Corneteiro de Pirajá” esconde-se atrás do poste e maneja o instrumento como se fosse uma arma.È o único representante da ordem que se vê na rua.Em 1822,na batalha de Pirajá,na Bahia,o corneteiro recebeu ordem de anunciar a “retirada” das tropas que enfrentavam os portugueses.Não se sabe se por engano ou convicção cívica,ele deu o toque de “avançar degolando”-e os brasileiros,embora em menor número,venceram a batalha.
Ouvem-se tiros por todos os lados, e a história do bairro sucumbe à maresia dos tempos.É hora de Ipanema atender às ordens de seu corneteiro e, saindo detrás do poste avançar degolando.



Olá Joaquim,

Aqui é o Bruno Pereira do Quadrilátero do Charme de Ipanema. Tudo bem?

Li hoje sua crônica na contracapa do Segundo Caderno de O Globo e não pude deixar de pensar no que me aconteceu anteontem, no domingo.
No domingo de manhã, lá pelas 10:00 hs andei na praia em Ipanema, pela areia, da Paul Redfern até o Arpoador, onde encontrei amigos e fiquei horas papeando e caindo no mar. E que mar !!! Mar de águas verdes esmeralda, às vezes azuis turquesa, tudo enquadrado pelo sol quentinho do inverno carioca e pelas areias brancas e finas da praia de Ipanema lavadas pelas chuvas e pelas ressacas recentes.
Durante as várias horas em que caminhei e fiquei na praia, passou pela minha cabeça o seguinte mantra: que delícia de praia, que delícia de mar, que delícia de cidade é esta que, com vários milhões de habitantes tem uma praia tão maravilhosa, que delícia é Ipanema !!!
Aonde se encontra no Rio de Janeiro uma praia com um mar tão lindo e tantas vezes limpo: Copacabana, Leblon, Pepê ?????
Em nenhum lugar no Rio e no Brasil existe esta mistura maravilhosa de bairro residencial com toda a comodidade que o comércio e os serviços bacanas que Ipanema oferece e uma praia de areias brancas, mar deslumbrante de dar inveja a qualquer Mar Tirreno, Egeu, Golfo do México, etc..
Enfim Joaquim, achei curioso que justamente no dia seguinte a este fim-de-semana tão deslumbrante em Ipanema você tenha escrito na sua coluna que devemos sair degolando de trás dos postes. Acho que na realidade devemos sair de trás dos postes, sim, mas é amando o nosso bairro, é reverenciando as nossas histórias e finalmente sair lutando para que ele seja melhor !!
Um abraço,
Bruno

Um comentário:

  1. ESTÃO QUERENDO ACABAR COM O NOSSO CORNETEIRO DE IPANEMA, ERA SÓ O QUE FALTAVA!!! http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/4718

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