Cora Rónai
A colunista escreve às quintas-feiras
Vida de carioca
Não acredito mais quando me falam em legado disso ou
daquilo. Poiso atual velódromo não era ‘legado do Pan’?
Terminei a coluna da semana passada pedindo
explicações ao Comitê Olímpico sobre o velódromo e o centro de treinamento de
ginástica artística, que foram desativados embora estivessem novinhos; não me
entra pela cabeça que equipamentos construídos para o Pan, em 2007, agora sejam
considerados inadequados. Pois Claudio Motta, gerente de comunicação do COB,
prontamente me mandou um e-mail:
“A desativação do atual Velódromo acontece para
atender ao cronograma de obras do Parque Olímpico, com a construção de um novo
Velódromo, de nível olímpico, que se constituirá em um grande legado dos Jogos
Olímpicos Rio 2016 para o ciclismo da cidade e do país.
Em relação aos atletas de ginástica, o COB já
tem um local para instalar o CT de Ginástica Artística, no Rio de Janeiro, que
será anunciado em breve. Além disso, o COB e a Confederação Brasileira de
Ginástica definiram que, até a construção do novo CT, o local de treinos da
Seleção Brasileira feminina será em Três Rios (RJ). Já a masculina se dividirá
entre Belo Horizonte (MG) e São Caetano (SP).
No caso do ciclismo, havendo a necessidade de
treinamento de ciclistas da Seleção, o COB, em conjunto com a Confederação
Brasileira de Ciclismo, enviará os atletas da modalidade para treinos no
exterior.
Se persistirem dúvidas, estamos à sua
disposição.”
Não posso propriamente dizer que persistem
dúvidas; o que persiste é indignação. Não acredito mais quando me falam em
“legado” disso ou daquilo. Pois o atual velódromo não era “legado do Pan”? Acho
um desrespeito com os contribuintes a facilidade com que se joga dinheiro fora
neste país. Isso para não falar no centro de treinamento de ginástica, que
funcionava dentro do velódromo: em abril do ano passado, o próprio COB postou
no YouTube um vídeo sobre a sua inauguração, com elogios empolgados dos nossos
atletas afirmando que nunca viram nada igual (o vídeo pode ser assistido em bit.ly/Y2p4FY).
Recebi também um e-mail de Mariza Louven, que
trabalha na Empresa Olímpica Municipal, da prefeitura:
“A Federação Internacional de Ciclismo (UCI),
após vistoria do velódromo atual feita a pedido do Comitê Rio 2016, elaborou um
parecer de que este não pode ser utilizado para os Jogos Olímpicos. A entidade
citou diversos aspectos. Entre eles, o fato de a construção ter dois pilares
que atrapalham a visão do público, dos telespectadores e dos árbitros; e a
pista não permitir que os atletas atinjam a velocidade necessária para superar
recordes olímpicos e mundiais — no velódromo atual, os atletas podem atingir
até cerca de 65 km/h,
enquanto um velódromo olímpico deve possibilitar o alcance de 85km/h. Além
disso, há itens que impactam a segurança dos competidores e seu desempenho,
como o fato de a construção atual ser aberta.”
Essa explicação mais detalhada apenas ampliou o
espectro da minha indignação. Quer dizer que nos fizeram de trouxas no Pan? Nos
deram um “legado” que não prestava? Imagino que um velódromo seja projetado por
especialistas no assunto; mas que “especialistas” foram esses que fizeram um
equipamento que não permite alcançar recordes e que “impacta a segurança” dos
atletas?
Em suma: fomos ou estamos sendo passados para
trás. Pagamos por um velódromo aparentemente perfeito em 2007 e vamos pagar por
outro velódromo ainda mais perfeito este ano. Só nos resta agora torcer para o
Rio não sediar nenhum evento de ciclismo no futuro, ou logo o “legado dos Jogos
Olímpicos” será demolido para a construção de um terceiro velódromo.
Ser carioca é conviver com obras de caráter
duvidoso. A Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, está sendo completamente
destruída pelas obras do metrô. O governo do estado, que prometeu que ia deixar
as árvores em paz, mentiu: de qualquer janela das vizinhanças se pode
acompanhar a clareira que cresce a cada dia. A verdade é que o governador está
pouco se lixando para as árvores, assim como está pouco se lixando para os mais
de 30 mil cidadãos que assinaram uma petição em sua defesa.
Enquanto isso, no Leme, moradores estão se
mobilizando para salvar o bairro do desastre que seria a implantação de uma
nova estação do bondinho do Pão de Açúcar. Eles estão apavorados, e por justa
causa: o Leme, que já tem uma população maior do que comporta, e que não tem
vagas nem para os automóveis de quem mora lá, quem dirá para ônibus de turismo,
vai perder o pouco de sossego que lhe resta se a sinistra ideia da Companhia
Caminho Aéreo Pão de Açúcar colar. Os moradores foram à rua no domingo, para
protestar, e logo num primeiro momento colheram mais de 500 assinaturas.
Tomara que tenham mais sorte do que tivemos em
Ipanema.