VERGONHA !

Construtora desiste de obra, paralisando o PAC no Cantagalo e Pavão-Pavãozinho

  • Na Rocinha, atraso e desapropriações geram polêmica
  • Intervenções, que não foram realizadas, são prometidas para segunda fase do programa
RENATA LEITE (EMAIL·


Os escombros das casas demolidas para as obras do PAC no Cantagalo: lixão no lugar de melhorias -
Foto: Hudson Pontes
Os escombros das casas demolidas para as obras do PAC no Cantagalo: lixão no lugar de melhorias - Hudson Pontes
RIO - Há cerca de três meses, tratores e caminhões com cimento deixaram de ser vistos subindo a Rua Saint Roman, rumo às comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Indo mais adiante na via que corta as favelas, logo se constata a ausência de operários trabalhando nas obras de complementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ali. A CR Almeida, construtora paranaense responsável pelas intervenções, abandonou o local e desistiu do contrato, cujo valor chega a R$ 49 milhões. Uma nova licitação precisará ser feita para que o projeto avance nas favelas. Enquanto a solução não chega, o esgoto segue descendo vielas e becos nas favelas encrustadas na Zona Sul e moradores aguardam por uma solução — no mínimo, por uma explicação — que até agora não chegou.
De agosto de 2012 a setembro deste ano, a CR Almeida recebeu da Secretaria estadual de Obras o repasse de mais de R$ 6,6 milhões, cerca de 14% do valor total. Segundo o órgão, as obras de urbanização e construção de dois conjuntos habitacionais no complexo deverão estar concluídas em junho de 2014. Apesar da rescisão do contrato com a construtora e do início de um novo processo de licitação, a secretaria estima que será possível retomar os trabalhos ainda este ano. O edital da nova licitação encontra-se em análise do Tribunal de Contas do Estado. Mas não foram informadas as razões alegadas pela empresa e se há multa prevista para rompimento de contrato e o valor dela ou qualquer possível sanção para a CR Almeida. Procurada, a construtora também não se pronunciou sobre os motivos de ter desistido da obra.
O professor de direito administrativo da PUC, Manoel Peixinho, afirma que a empreiteira classificada em segundo lugar na licitação para essas obras deveria assumir o posto da CR Almeida, que deveria ser multada.
— Não há necessidade de nova licitação, a não ser que a empreiteira que ficou em segundo lugar tenha proposto um preço inexequível. Isso precisa ser esclarecido pelo governo. A CR Almeida deve sofrer uma investigação que pode torná-la impedida de participar de novas concorrências públicas.
Os moradores — ao todo, 51 famílias já estão vivendo de aluguel social — não receberam qualquer satisfação sobre a paralisação das obras do PAC. As obras preveem alargamento de ruas, saneamento e construção de novas unidades residenciais. Mas a Avenida Custódio Mesquita, no Cantagalo, teve somente o trecho inicial alargado, e o serviço na Avenida Pavão, que corta o Pavão-Pavãozinho, sequer teve início. Casas ao longo dessas vias, no entanto, já foram abaixo. O entulho das construções demolidas há um ano para a expansão das vias não foi retirado dos terrenos e as áreas passaram a ser usadas como depósito de lixo. Tapumes que ameaçam tombar tentam, em vão, esconder o problema.
De acordo com a Secretaria de Obras, já foram realizados o alargamento do trecho inicial da Avenida Custódio Mesquita; a construção dos blocos A e B do conjunto habitacional conhecido por AR-5 (assentamento residencial), perto da Estrada do Cantagalo, disponibilizando 16 apartamentos; a reforma de um casarão, que vai disponibilizar mais 27 unidades habitacionais; e a reforma da Elevatória da Sá Ferreira, o que vai possibilitar o abastecimento de água de cerca de 20 mil moradores no Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. No total, 103 apartamentos deverão ser destinados a moradores que precisaram sair de áreas de risco ou das margens das vias com previsão de alargamento. Deles, apenas 16 serão entregues em outubro e os demais, em 2014.
Moradores ressaltam a importância do investimento urgente em saneamento básico, por conta da falta de rede de esgoto.
— Tenho que colocar tela nas minhas janelas, senão os ratos entram dentro de casa — contou o morador do Cantagalo, Luiz Fernando Manhães. — As obras que deveriam melhorar, pioraram. Deixaram várias pessoas sem casa própria e criaram lixões. Ainda por cima, estamos sem qualquer informação sobre o que houve e quando as obras serão retomadas.
Aluguel social sofreu corte
Luiz Fernando viveu seus 67 anos na favela e, há um ano, viu sua casa ser demolida para a Av. Custódio Mesquita ser alargada. Até hoje, as obras não chegaram nem perto de onde morava e ele, agora, vive de aluguel. A situação de Terezinha de Souza, de 55 anos, é bem semelhante. Ela foi obrigada a sair de sua casa e recebeu em troca, “emprestado”, um apartamento num conjunto habitacional já existia na comunidade, enquanto as novas construções não ficam prontas.
— Tenho medo de o governo não construir prédio algum e parar de pagar o benefício — diz ela.
Os moradores denunciam que, há dois meses, o valor do aluguel social teve uma redução de R$ 650 para R$ 400. O estado confirmou ontem que a CR Almeida complementava com R$ 250 o valor do benefício, que foi cortado com a saída da construtora. Mas promete que assumirá este encargo.
Polêmica na Rocinha
Moradora da Rocinha há 17 anos, Eliane Oliveira vem investindo, ao longo dos últimos anos, na construção de uma casa próxima à comunidade da Muzema, no Itanhangá, Barra da Tijuca. Isso porque, há mais de dois anos, teve que abrir mão de seu imóvel na Rocinha em prol das obras de alargamento da Rua do Valão, na parte baixa da favela. Até hoje, no entanto, continua morando na comunidade, já que as obras, previstas no PAC 1, até agora não aconteceram. Segundo a Emop (Empresa de Obras Públicas do Rio), a urbanização da via era a principal reivindicação da comunidade, o que tornou a empreitada mais complexa, provocando seu adiamento. As intervenções, agora, estão prometidas para o PAC 2.
— Com a indenização que recebi, R$ 75 mil, só encontrei quarto e sala na Rocinha. Optamos então por comprar o terreno — contou Eliane.
A moradia é uma das 2.500 que serão demolidas no PAC 2. Desse total, mil terão que sair por estarem em áreas de risco e outras 1.500, por causa das intervenções urbanísticas previstas, como alargamento de ruas, canalização de valões e construção do teleférico. As desapropriações representam mais de 10% do total de domicílios da favela, segundo a UPP Social. Segundo a Emop, vinculada à Secretaria estadual de Obras, há três opções para os moradores: um apartamento do Minha Casa, Minha Vida, a compra assistida de um imóvel ou indenização.
A segunda fase do programa investirá R$ 1,6 bilhão em saneamento; na construção de teleférico, integrado ao metrô, com seis estações; e no alargamento de vias como as ruas 1, do Valão, da Raia e do Topo do Morro. Ainda serão reformadas 11 creches comunitárias. A área do Laboriaux será urbanizada.
A Emop construirá conjuntos habitacionais para parte dos moradores. Ao todo, serão 440 apartamentos de dois quartos, com 44 metros quadrados cada. O local para instalação dos prédios, no entanto, já levantou polêmica. A Emop teria planos de instalar um dos prédios em cima da futura estação do metrô no bairro. O presidente da associação de São Conrado, José Britz, criticou a ideia:
— Soubemos disso há dois meses. Explicamos à Emop que ali é uma Área de Relevante Interesse Ecológico, protegida por lei de 2003. Não é preconceito. Mesmo o Bill Gates não poderia construir ali.
A Emop alega que ainda estuda o caso e que há opções: uma área na Estrada da Gávea, perto da Casa de Festas Emoções, ou próxima à Matinha, atrás do Centro Esportivo da Rocinha. O médico aposentado Waldir Jazbik, morador há 30 anos da Estrada da Gávea, está preocupado:
— Em caso de desapropriação, ficarei sem o portão de entrada e a rampa de acesso à minha casa.
o. 

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