AS RUAS DO RIO




Rua Gorceix, Ipanema

17 março 2013 | 2 comentários
Bem-vindo à Rua Gorceix, a charmosa via de Ipanema que poucos conhecem

Colada ao Cantagalo. A Rua Gorceix fica entre as ruas Alberto de Campos e Almirante Saddock de Sá, na zona sul.
por Pedro Paulo Bastos
Nascido em 1842, Claude Henri Gorceix era francês de Saint-Denis des Murs e bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas pela Escola Normal Superior de Paris. Veio para o Brasil em 1874, como professor de geologia, mineralogia, física e química, tendo falecido em 1919. Sua relação com Ipanema, na zona sul do Rio, não se sabe muito bem com exceção de uma: a de emprestar seu sobrenome a uma das simpáticas ruas do bairro.
Não só pelo nome pomposo diante de certo fetiche que grande parte dos brasileiros tem por sobrenomes estrangeiros, a Rua Gorceix se diferencia de muitas outras ruas da cidade por dois motivos: em primeiro lugar, numa macroescala, está localizada na região mais cobiçada do Rio; em segundo, numa microescala, está situada em posição ainda mais privilegiada no contexto da própria região cobiçada em que se insere. Ipanema é um bairro de vias longas e essenciais para escoar o trânsito entre o Leblon, a oeste, a Lagoa, ao norte, Copacabana, a leste, e a praia, ao sul. A Gorceix, então, contrariando essa organização espacial, é uma figura pequenina no mapa, colada ao Morro do Cantagalo, no fim das ruas Alberto de Campos e Almirante Saddock de Sá. Completamente residencial. Nada de carros, nada de buzinas. Saiam pra lá!

“Numa microescala, [a Rua Gorceix] está situada em posição ainda mais privilegiada no contexto da própria região cobiçada em que se insere”

 

Mesmo com a baixa rotatividade de automóveis pela rua, um suspiro – ou uma crítica – não poderia passar em branco. O emparelhamento de carros estacionados é excessivo. Pode soar ingênuo da minha parte fazer este tipo de observação, ou até mesmo estar reclamando de uma situação complicada de ser revertida, que é a questão do transporte. Infelizmente a quantidade de carros pelas ruas, em movimento ou não, é absurda. Mesmo as ruas mais tranquilas e aconchegantes, como a Gorceix, são vítimas deste mal. Não pude deixar de imaginar como seria a Gorceix sem os carros, com o desenho das calçadas livre ao campo visual. Os jardins à mostra, a facilidade de locomoção do pedestre e dos carrinhos de bebê, o contorno da esquina possível de ser visto através de um ponto equidistante…

Alberto de Campos. Os prédios luxuosos na esquina com a Alberto de Campos
. Na outra ponta, este aspecto se inverte.

Gorceix. O edifício antigo azul e branco se destaca na rua pelo estilo simpático. Ao lado, detalhe das flores diminutas.

Saddock de Sá. No término da Rua Gorceix, as casas são mais comuns do que os prédios inicialmente mostrados. A arborização é mais intensa, com galhos longos que ajudam a formar um teto de folhas e sombras para os pedestres.
Os edifícios da Rua Gorceix são bonitos e luxuosos, embora não tenham nenhum diferencial que possa qualificar a rua como pitoresca ou algum adjetivo sinônimo. Levo em consideração que, em geral, essas ruas pequenininhas são sempre mais divertidas em termos de arquitetura do que as de mais movimento. Elas têm um caráter natural de ”cantinho”. O grande atrativo mesmo de lá é a preservação de algumas casas ainda habitadas por famílias, o que é coisa rara na zona sul. Se o leitor for caminhar pela Rua Nascimento Silva ou pela Rua Redentor, decerto se deparará com imóveis deste tipo, mas a maioria (se não todos) destinados a usos comerciais. Na Rua Gorceix, as casas têm aquele jeito singelo, de pouca imponência, onde o luxo é justamente essa simplicidade com uma leve pitada vintage. Seria injusto não citar o pequeno edifício do número 14, que mais parece uma casa de boneca com seus azulejos imitando losangos entre as janelas de madeira azulada com varandinhas na mesma cor.
Observei um número considerável de ciclistas passando pela Rua Gorceix nessa manhã de sábado. Eles vêm da Alberto de Campos, viram à esquerda na Gorceix e seguem de novo à esquerda pela Rua Almirante Saddock de Sá. Como a Gorceix liga nada a lugar nenhum – isto é, não é via de escape –, interpeto que passem ali apenas pelo prazer de se estar em um recanto de Ipanema longe da Ipanema midiática e dos turistas, que é cheia de bares e cafés da moda e de idiomas em conflito a cada conversa emitida aos ventos. É como numa ligação cruzada; ouve-se de tudo, porém entende-se muito pouco.
Na esquina com a Rua Almirante Saddock de Sá, a calçada estava úmida e cheirava a sabão em pó. Um pouco de água escorria pelo meio-fio sob a sombra das suntuosas árvores da rua vizinha. O cheiro de limpeza é sempre confortante. Ao longo da Gorceix, no entanto, não tenho como afirmar se era pela velocidade em que as bicicletas andavam por ali, distinta a do ritmo do pedestre, ou se isso emanava do próprio pedestre – só sei que a Rua Gorceix cheirava a filtro solar. Aquele tipo de fragrância gostosa de respirar, que nos remete a saúde, vida, natureza. Numa localização esplendorosa como essa, não me restam dúvidas de que a energia da Rua Gorceix é das melhores. 

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