DOCE ILUSÃO !


Centro cultural em Ipanema fica no sonho

  • Doado ainda em vida pelo produtor Guilherme Araújo, imóvel completa seis anos sem uso pelo estado
Cristina Tardáguila (Email)
Rogério Daflon (Email)


Abandono. A casa de Guilherme Araújo, na Rua Redentor, em Ipanema: burocracia emperra uso
Foto: Pedro Teixeira / O Globo
Abandono. A casa de Guilherme Araújo, na Rua Redentor, em Ipanema: burocracia emperra uso Pedro Teixeira / O Globo
RIO — Produtor de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Gosta, Maria Bethânia e outros astros da música brasileira, Guilherme Araújo doou, antes de morrer, em março de 2007, sua casa na Rua Redentor, em Ipanema, para a Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj). Seu desejo era que a residência abrigasse um centro cultural e um gabinete de leitura. Mas quase seis anos depois, o sonho de Araújo — que convenceu Gil e Caetano a viver o exílio em Londres devido à qualidade da então cena musical da capital da Inglaterra — continua distante: o sobrado com três quartos e uma boa sala está sem qualquer utilização. O governo do estado alega que está à espera do fim do inventário para dar vida à casa.
— É uma pena. Ele pensou inclusive em como sustentar o centro cultural. Condicionou o uso do dinheiro de aluguel de duas salas dele à conservação desse espaço — disse a assessora de imprensa Gilda Mattoso, a quem Araújo nomeou como inventariante antes de morrer.
Grande amiga de Guilherme, Gilda disse que, ao visitar a casa, vários vizinhos reclamaram do mau estado da fachada. As queixas chegaram ao ápice em 2011 e, há um ano, a própria Funarj fez uma reforma na casa visando a reparos de emergência, como conta Gilda:
— O telhado estava ruindo.
Por sua assessoria de imprensa, a Secretaria estadual de Cultura informou que a burocracia é o principal entrave ao sonho de Guilherme Araújo. O imóvel, por exemplo, ainda não pertence à Funarj. Em nota, a pasta explicou que “o órgão obteve apenas a posse provisória em fevereiro do ano passado”.
A secretaria afirmou ainda que “a posse definitiva do imóvel somente ocorrerá com a conclusão do processo do inventário, que está em curso”. “Por ora, a Funarj limpou e catalogou todos os pertences que lá estão e contratou serviço de segurança 24 horas para o prédio. É tudo que se pode fazer, nesse momento, dadas as limitações jurídicas”, diz a nota.
— O problema é a morosidade jurídica — acrescentou a assessora Gilda Mattoso.
Também segundo a Secretaria de Cultura, “logo que seja feita a avaliação dos bens deixados em inventário — trabalho que fica sob responsabilidade de um avaliador judicial — será proferida sentença e expedida a partilha formal”. Trata-se de um documento no qual o juiz enumera os bens do espólio e a distribuição da herança, em conformidade com a folha de partilha aprovada. Só depois disso o imóvel passará a ser da Funarj.
Gilda recorda que Guilherme Araújo administrava bem a carreira de artistas porque dava muito valor ao planejamento. Ilustra o que está dizendo, lembrando quando Gil e Caetano foram expulsos do país na ditadura militar no fim da década de 1960.
— Foi ele quem escolheu Londres para o exílio de Gil e Caetano. Visitou a cidade, viu o melhor lugar para eles ficarem e levou em conta sobretudo a vitalidade musical londrina na época — disse Gilda, acrescentando o “ato de grandeza” do produtor antes de morrer. — É incrível o fato de Guilherme ter deixado ao poder público o dinheiro de aluguel de dois imóveis dele para sustentar o centro cultural.
Segundo a assessora, Guilherme fez as pazes com Gil antes de morrer. Os dois haviam brigado porque Gil obteve na Justiça o direito autoral de algumas de suas canções que estavam sob a guarda do produtor.
— O Gil só queria o direito de ser dono de suas próprias músicas. Mas continuou dando ao Guilherme o valor em dinheiro dos direitos autorais até a sua morte — recordou Gilda.
O produtor foi o responsável, por exemplo, por sugerir à cantora Maria da Graça o nome artístico de Gal Costa.

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