PRAIA


Altinho à beira d’água volta a acirrar ânimos de guardas municipais e banhistas

Por volta das 14h, alguns frequentadores desafiaram a proibição da prática na beira d’água entre as 8h e as 17h, e levaram bolas para perto da arrebentação


Contra as normas. No Posto 10, em Ipanema, banhistas jogam altinho junto à arrebentação por volta das 16h40m, o que é proibido. Apesar disso, não houve repressão por parte da Guarda
Foto: Fabio Rossi / O Globo
Contra as normas. No Posto 10, em Ipanema, banhistas jogam altinho junto à arrebentação por volta das 16h40m, o que é proibido. Apesar disso, não houve repressão por parte da GuardaFABIO ROSSI / O GLOBO
RIO — Um dia após o confronto entre banhistas e guardas municipais na Praia de Ipanema, com direito a lançamento de cocos, cadeiras e guarda-sóis, a areia voltou a esquentar no Posto 9 — e não somente por causa do sol forte. Por volta das 14h, alguns frequentadores desafiaram a proibição de jogar altinho na beira d’água entre as 8h e as 17h, e levaram bolas para perto da arrebentação. Quando agentes da Guarda Municipal, que reforçavam o patrulhamento na região por causa do tumulto da véspera, pediram a eles que interrompessem a atividade, os jogadores disseram que não iam parar e foram apoiados por quem estava na areia.
— Qual o problema de jogar altinho perto da água? A gente não pode aparecer com a bola que já vem um guarda pedir para parar. Enquanto isso, um monte de gente fuma maconha no Posto 9 sem ser incomodada — disse um banhista, sem se identificar, em outro trecho da praia.
— A gente chega com educação, pede ao morador que tire o cachorro da areia e escuta logo um “não” — contou um guarda municipal. —“Aqui é meu quintal, posso fazer o que quero. A praia não é um espaço democrático?” Essa é a frase que mais escutamos aqui. Além do mais, não temos poder de polícia. Prendemos ladrões na unha, corremos atrás, levamos na delegacia. Mas vemos atos ilícitos, consumo e venda de droga, e não podemos fazer nada, só pedir para apagar o baseado.
Guarda intensifica patrulhamento
Diante de tantos impasses e irregularidades, a Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop) informou que vai antecipar a Operação Verão, que tem como objetivo evitar a desordem na orla carioca. A ação, que envolve guardas municipais e agentes da Seop, normalmente começa em dezembro. Na semana que vem, o secretário de Ordem Pública, Alex Costa, e representantes de outros órgãos devem se reunir para decidir a data do início da operação.
Na quarta-feira a Guarda Municipal intensificou o patrulhamento na areia de Ipanema para evitar novas infrações. Ao mesmo tempo, um grupo de 24 agentes do Grupo de Operações Especiais da corporação, em dois carros, duas motos e um ônibus, fazia rondas pela orla, pronto para entrar em ação. E integrantes do serviço de inteligência da Guarda Municipal se misturaram aos banhistas, tanto em Ipanema como no Leblon. O objetivo era tentar identificar o grupo de banhistas que iniciou a confusão de terça-feira, após um homem que jogava altinho ter sido imobilizado com uma gravata por guardas (que alegaram desacato). Revoltados, frequentadores do Posto 9 atacaram os agentes com cocos, cadeiras e guarda-sóis. Um homem de 25 anos foi detido e levado para a 14ª DP (Leblon), sendo liberado em seguida.
A Polícia Civil informou que vai tentar identificar os envolvidos na confusão, através de imagens das câmeras da CET-Rio. Testemunhas disseram na delegacia que os guardas agiram de forma violenta ao reprimir o altinho próximo da água, por volta das 16h.
Já o secretário Alex Costa, a quem a Guarda Municipal é subordinada, disse que enviará para a corregedoria da corporação o caso do agente que aplicou a gravata no banhista. Segundo Alex, essa não é a conduta que deve ter um agente público. Ele acrescentou que os guardas devem chamar a Polícia Militar toda vez que sentirem necessidade e a ordem for perturbada na orla.
— Esse episódio foi um fato isolado. Os guardas fazem o ordenamento na areia. O cidadão que não se comporta de forma adequada tem que ser abordado, mas o guarda, em casos extremos, deve chamar a polícia. Ele não pode agir com truculência ou mesmo se nivelar aos provocadores. Os envolvidos serão encaminhados à corregedoria — disse o secretário.
Jovem reclama de violência
Na quarta-feira, no Posto 9, uma jovem disse que os guardas municipais foram agressivos e bateram com cassetetes até em mulheres na terça.
— Eles agrediram todos os que estavam na praia. Poderiam ter resolvido o problema sem agressão — disse ela, também sem se identificar.
Um barraqueiro de Ipanema, que também pediu anonimato, foi na quarta-feira à base onde estavam os guardas municipais pedir desculpas pela ação dos banhistas. Segundo ele, alguns dos frequentadores do trecho consomem drogas e se dizem filhos de pessoas influentes para agir de forma violenta. Já o massoterapeuta Paulo Roberto Silva, o Paulo Massagista, de 46 anos, disse que a confusão foi generalizada.
— Foi tudo muito rápido. De repente, vi um grupo de guardas correndo com cassetetes. Ao mesmo tempo, cadeiras de praia e cocos voavam para todos os lados. Não deu para entender direito como começou a confusão — contou.
Em protesto contra o episódio de terça-feira, um usuário do Facebook criou um evento, marcado para as 13h de domingo, no Posto 9, para promover o “maior altinho de todos os tempos”. Até as 16h de quarta-feira, 425 pessoas já haviam confirmado presença.
Um point libertário: maconha, apitaço, tanga e topless
É apenas um pedaço de areia, mas quem frequenta o Posto 9 costuma dizer que não troca esse trecho da Praia de Ipanema , perto da Rua Vinicius de Moraes, por nada. Território de banhistas de vanguarda, o Nove, como é conhecido na intimidade, ganhou fama nos anos 80, quando, recém-voltado do exílio, Fernando Gabeira desembarcou na areia de tanguinha. Foi lá também que o topless, que nunca pegou de verdade no Rio, teve suas precursoras. Nada mais natural para o trecho da praia que se proclama libertário e de esquerda.
Desafiador e criativo são adjetivos que também contam a história do Nove. Nos anos 1990, banhistas criaram um sistema para avisar quem fumava maconha na areia — hábito arraigado entre muitos que frequentam o lugar — sobre a chegada da polícia. Com apitos escondidos no biquíni ou na sunga, faziam um grande barulho.
O apitaço afastou a repressão, e hoje é possível ver muitos fumando no local, onde sempre há, ao fim da tarde, aplausos para o pôr do sol.

Nenhum comentário:

Postar um comentário