CANTAGALO









Jovem do Morro do Cantagalo cria agência de turismo para mostrar comunidade
Júlia Dias Carneiro

Da BBC Brasil no Rio de Janeiro


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Mayara Moura e Joice Rocha querem que os benefícios do turismo fiquem no Morro do Cantagalo


Desde que o tráfico armado foi expulso do Morro do Cantagalo, no fim de 2009, a jovem Mayara Moura vê aumentar o fluxo de turistas na favela onde cresceu, na zona sul do Rio de Janeiro, com vista privilegiada para as praias de Ipanema, do Leblon e da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Ela considera os visitantes bem-vindos, mas não gosta de vê-los subir e descer a favela recém-pacificada sem travar contato com os moradores, e sem que esse fluxo traga benefícios para a própria comunidade.

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Tópicos relacionadosBrasilDessa percepção nasceu a ideia de criar uma agência de turismo local, que vai oferecer visitas guiadas, eventos culturais e hospedagem nas casa de moradores, nos moldes de um bed & breakfast.

"O objetivo do projeto é ajudar a comunidade de todas as formas possíveis", diz Mayara, que no último sábado fez uma reunião com moradores interessados em oferecer quartos para turistas.

Batizada de Dropando na Comunidade, a iniciativa que Mayara, 20 anos, está desenvolvendo com a amiga Joice Rocha, 16, vai ser lançada no próximo dia 29 com uma feijoada na quadra da Alegria da Zona Sul, escola de samba do Cantagalo.

Elas vão investir a maior parte dos R$ 10 mil de que dispõem inicialmente em obras nas casas de moradores, para adequar os quartos a serem oferecidos para visitantes a padrões turísticos.

O projeto é um dentre 30 que estão sendo colocados em ação por jovens de seis favelas pacificadas no Rio. Eles fazem parte da Agência de Redes para a Juventude, criada para estimular jovens empreendedores a desenvolverem suas próprias soluções para suas favelas.

Incremento de rendaAs áreas de atuação dos projetos vão de cultura a reciclagem, de saúde a educação. Mayara aposta que a vocação da sua favela para o turismo pode ser revertida em um incremento de renda para o Cantagalo - agora facilmente acessível graças a um elevador inaugurado em 2010, que vai de Ipanema para o alto do morro em menos de 30 segundos.

"Ter esse retorno para os moradores é o desafio", diz Bianca Freire-Medeiros, pesquisadora do CPDOC/FGV que desde 2005 estuda turismo em favelas do Rio, sobretudo na Rocinha.

"Na Rocinha, o turismo já existe há bastante tempo. A maior parte das visitas é organizada por grupos externos, mas há artesãos locais que vivem do turismo. Só que é um grupo pequeno em relação ao universo de moradores", aponta.

Como parte de uma pesquisa para a FGV feita no ano passado a pedido do Ministério do Turismo, Freire-Medeiros entrevistou 900 turistas na chegada ao Aeroporto Internacional do Rio. A pergunta era se fariam passeios por favelas.

"Vimos que a visita já está muito incorporada à imagem do Rio. A favela é como futebol, samba, carnaval", diz. Por outro lado, ainda existe uma resistência em relação a hospedagem, afirma, e os turistas deixam pouco dinheiro nas favelas.


Para Mayara, o turismo pode mudar a opinião das pessoas em relação à favela
"Eles compram uma água, mas têm uma resistência enorme a comprar comida. Muitas vezes são instruídos pelas agências ou por seus próprios consulados a não comer."

Mudança de imagemO projeto idealizado por Mayara e Joice tem a ambição não apenas de trazer um incremento de renda para os moradores, como mudar a imagem que pessoas de fora têm da favela. E isso vale não apenas para estrangeiros, mas também para brasileiros.

"Algumas pessoas ainda têm aquela visão de que é impossível entrar na favela, de que pode acontecer alguma coisa ruim, e é isso que a gente quer mudar", diz.

A presença da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Cantagalo faz com que os moradores possam passar mais segurança para os visitantes, diz Mayara, e mudar a imagem de violência que, em sua opinião, foi tradicionalmente exagerada pela mídia.

"Mesmo antes de o tráfico sair da comunidade, a gente tinha uma vida normal. Não era confronto todo dia. Às vezes acontecia alguma coisa e tínhamos que ficar dentro de casa, mas no dia-a-dia as crianças brincavam na rua, as mães iam trabalhar, era uma vida normal."

É um pouco desta vida normal que Mayara quer compartilhar com os turistas, mostrando, nas visitas guiadas, um pouco da cultura local e dos projetos culturais que são desenvolvidos por moradores, como grupos de hip hop (H2BK), de balé (Dançando para Não Dançar) e os painéis de grafite que contam a história da comunidade em suas vielas (o Museu de Favela, ou MUF).

"Acho que um dos principais benefícios do turismo é a troca de culturas, de experiências, de ideias. Quando a gente aprende um pouco de outra cultura, a gente adere um pouco, mesmo que seja o mínimo."

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