ANIMAIS AO VOLANTE




A análise das 60 000 multas aplicadas nos bairros contemplados com o programa de choque de ordem no trânsito comprova que a bandalheira está incorporada na rotina carioca

por Carla Knoplech 18 de Janeiro de 2012
Carro parado em fila dupla no Leblon é autuado: repressão a uma cultura permissiva e marcada pela falta de solidariedade com outros motoristas

Lançadas no ano passado com o propósito de ser uma arma certeira do poder público contra o caos urbano, as Unidades de Ordem Pública (UOPs) se espalharam pela cidade. Em sua essência, elas apresentam uma forma de atuação peculiar, voltada para o tratamento de choque em uma determinada região, com foco nas questões do trânsito. A experiência, que começou pela Tijuca, já chegou também ao Centro, Leblon e Ipanema. Sua próxima escala, prevista para o fim deste mês, será em Copacabana.
Um balanço da operação, produzido a pedido de VEJA RIO, sinaliza que ainda temos um longo caminho pela frente até alcançar a tão sonhada civilidade ao volante. De 18 de abril, quando entrou em funcionamento a pioneira célula da Tijuca, até o dia 20 de dezembro, foram aplicadas nada menos que 60 000 multas. Ou, em média, houve uma quantidade de 250 infrações por dia. É infração que não acaba mais. No ranking das ocorrências (veja o quadro na página ao lado), o estacionamento irregular, muitas vezes sobre as calçadas, aparece em primeiro lugar, responsável por 25% das anotações. Em seguida vêm o avanço de sinal e a conversa ao celular, com 14% cada uma delas. Na lista, um item em especial chama atenção, em razão das consequências graves que pode acarretar: há quase 2 500 autuações por trânsito pela contramão. “A mudança de cultura e comportamento é um processo muito lento”, afirma o secretário especial da Ordem Pública, Alex Costa. “Não há solidariedade entre os motoristas.”

As UOPs foram inspiradas na teoria das janelas quebradas, formulada nos anos 80 pelos criminologistas americanos James Q. Wilson e George Kelling. Eles pregavam que a tolerância zero a pequenos delitos, como ataques ao patrimônio, era o primeiro passo para evitar a escalada da violência. Assim, os agentes em ação no Rio de Janeiro têm a missão de coibir com o mesmo rigor tanto uma infração grave de trânsito como a distribuição de panfletos no espaço público, algo aparentemente inofensivo. Diante de tanto trabalho, foram destacados 1 000 guardas municipais para atuar nas quatro áreas contempladas com o programa. A intenção da prefeitura é triplicar o efetivo até o fim do ano. Cada policial sai à rua com um palmtop, usado para registrar e fotografar as irregularidades. Uma vez multado, o veículo recebe um constrangedor adesivo no vidro (veja a reprodução ao lado). Os dados do computador de mão, por sua vez, são transmitidos a uma central de controle, que processa a localização exata dos agentes. Como já acontece nas Unidades de Polícia Pacificadora, que privilegiam quem é novato na Polícia Militar, sua prima-irmã municipal também busca trabalhar com guardas recém-formados para evitar vícios.

Cabe a eles a exaustiva tarefa de mitigar a desordem urbana, que, em maior ou menor grau, é uma chaga da cidade. Nem mesmo áreas nobres, em que a população teoricamente possui um padrão educacional mais elevado, escapam da bagunça. Implantada em dezembro, a UOP de Ipanema investiu sobre uma série de problemas bem conhecidos dos moradores do bairro. A principal artéria, a Rua Visconde de Pirajá, padece com as filas duplas, uma transgressão que atravanca o fluxo de veículos. Aos domingos, quando a Praça General Osório fica tomada por uma feira hippie, a infração mais comum é o estacionamento irregular, transtorno que se agrava nos fins de semana de sol e praia lotada. No vizinho Leblon, as mazelas se repetem. Porta-voz das reclamações do bairro, a presidente da associação de moradores, Evelyn Rosenzweig, enumera queixas de todo tipo, de carrocinhas de ambulantes nas ruas a ciclistas que pedalam pelas calçadas. “É louvável a intenção da prefeitura, mas ainda falta energia por parte dos guardas para resolver os problemas”, opina.
Do outro lado do Túnel Rebouças, no entanto, há boas notícias. Na Tijuca, primeiro bairro a receber o projeto, houve a redução de um terço no número de roubos a transeuntes. Detectou-se ainda a diminuição nos registros de furtos e lesões corporais. Como foi previsto, o maior patrulhamento das ruas refletiu positivamente nos índices de segurança. Agora, fica a esperança de que a repressão aos maus motoristas ajude a tornar nosso asfalto bem menos selvagem.




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