JORGE ANTONIO BARROS


Enviado por Jorge Antonio Barros -

FAVELAS

O único ângulo de visão que tinha do Cantagalo era do Ciep que funcionava no alto do morro, onde estive algumas vezes fazendo reportagens na década de 80. Também conhecia bem a subida da favela na Rua Barão da Torre - em Ipanema - onde muitas vezes estive cobrindo perseguições policiais e tiroteios entre PMs e traficantes. Aquele ponto da rua está hoje irreconhecível, de tão bom. O governo do estado ergueu ali a torre com um elevador que leva as pessoas até o Morro do Cantagalo e ao Mirante da Paz, de onde pode-se ter uma vista deslumbrante do mar de Ipanema, da Lagoa, do Morro Dois Irmãos, da Pedra da Gávea e do Maciço da Tijuca, a 65 metros de altura. No Cantagalo, fica uma das dez Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que parece ter mesmo transformado a face da favela, devolvendo-lhe um pouco da dignidade levada pelo tráfico.
Dessa vez não tive tempo de ir até a UPP que já teve até PMs afastados acusados de maus-tratos a moradores, no que seria o primeiro episódio de grave conflito entre polícia e comunidade. Esse texto não tem a pretensão de analisar o que está ocorrendo no Cantagalo em termos da pacificação.
Meu objetivo apenas é o de manifestar minha satisfação por ter podido pegar o elevador tranquilamente e ver também como está bonita a estação do Metrô inaugurada ali embaixo. Tem um belíssimo painel com um violão estilizado e um texto de Ruy Castro, falando da insuperável Ipanema da Bossa-Nova. No elevador, perguntei ao PM que ali faz guarda se ele sabia quem era a celebridade que encontrei na visita. Ele disse que era o cartunista Chico Caruso, do GLOBO, que foi meu anfitrião. Feliz da vida, Chico me mostrou a cobertura onde viveu o escritorRubem Braga, que foi tema de crônica de Carlos Drummond de Andrade, possivelmente na década de 60, e deu nome ao complexo de elevadores. O prédio modernista, projeto de Lúcio Costa, fica na Barão da Torre, bem ao lado do elevador.
Acompanhado da mulher, Eliana Caruso, de seu empresário, Antonio Carioca e de uma amiga finlandesa, radicada no Rio, Marja Pankkanel - a guia da excursão - Chico falou de seu amor pelo Rio e meu a rápida entrevista em vídeo. Lá no Mirante da Paz, encontrei também outro estrangeiro, o alemão Chris, radicado há pouco mais de um ano no Rio, que me contou da alegria de poder ir até lá.
- Há cerca de um ano eu vi, do meu apartamento em Ipanema, um helicóptero blindado atirando contra bandidos no alto da favela. Pensei: é uma guerra em plena cidade do Rio de Janeiro.
A guerra naquele ponto, enfim, parece estar sob controle. Vivemos o armistício do Cantagalo. Dos tiroteios e do domínio do tráfico, só resta a lembrança de moradores antigos. Diante dos visitantes, um deles disparou à queima-roupa:
- Quando a bala comia solta aqui ninguém vinha - disse o homem, seguindo em direção à passarela que leva ao morro.
Eu poderia ter dito ao morador que ele deixasse de "conversa de otário", mas preferi entender a solidão da favela. Por isso não tenho dúvidas de que chegou a hora de o asfalto "invadir" o morro.

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