POSTO 9 - PRAIA



Enviado por Isabel Boechat -

O show ainda não terminou

Bob Lester: aos 97 anos, artista ganha a vida se apresentando na rua

O palco agora é o badalado Posto 9, em Ipanema. Um velhinho chama a atenção imitando Michel Jackson na areia quente com um sol escaldante. A apresentação termina e o chapéu é humildemente passado. Assim, ele consegue uns trocados para comer durante o dia. Ele é Edgar de Almeida Negrão de Lima, o Bob Lester, como prefere ser chamado, e aos 97 anos — não, não foi um erro de digitação, 97 — mostra seus dotes artísticos dando um balé nas adversidades em um exemplo de superação do artista que, em sua época de ouro, brilhou ao lado de renomados astros internacionais como Fred Astaire e Frank Sinatra, após integrar durante 17 anos o grupo "Bando da Lua", de Carmem Miranda.
Assista ao vídeo com a entrevista de Bob LesterBob Lester lembra com saudade dos tempos áureos da fama.
— Depois de morar 17 anos nos Estados Unidos, com a morte de Carmem, voltei ao Brasil. Mas logo fui para a Argentina. Fui para uma turnê com a Dalva e o marido dela (referindo-se à Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, ícones da Era de Ouro do rádio). Com o fim do contrato, fui para o México e de lá para Portugal, quando iniciei minha carreira na Europa — contou, citando cada um dos hotéis e casas de shows onde se apresentou.

Nascido em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 19 de janeiro de 1913, chegou pequeno ao Rio de Janeiro, com a transferência de seu pai, um capitão de coverta da Marinha. Bob lembra quando passou com nota 10 no show de calouros de Ary Barroso e voltou ao Rio Grande, onde tinha um programa semelhante que fazia sucesso no Sul. Uma de suas calouras foi ninguém menos que Elis Regina. Lester percebeu o talento da moça e a apresentou imediatamente a diretores de TVs do Rio de Janeiro e São Paulo. Depois de sair do país para acompanhar a glória da pequena notável, conheceu Frank Sinatra e grandes personalidades da música americana. Mudou seu nome artístico para Bob Lester por uma sugestão de Bob Hope. Os sapatos usados hoje em suas apresentações, assim como as luvas brancas e uma bengala, foram presenteados por Fred Astaire. Seus poucos pertences, guardados carinhosamente em quarto pequenino de um hotel no Centro, escondem uma rica história da música. Sempre agarrado à pasta velha com reportagens e fotos da época, como uma forma de lembrar uma vida que não tem mais.
Mesmo morando fora do país, Bob Lester casou e teve duas filhas. Durante 24 anos manteve o casamento e sua casa, na Rua Antônio Basílio, na Tijuca. E, justamente uma viagem feita por sua família, segundo ele, foi o que acabou com a sua vida.
Em 1964 um acidente de carro, no município de Lajes, em Santa Catarina, fez três vítimas fatais. As duas filhas de Bob Lester, de 17 e 22 anos, e sua mulher.
— Fiquei muito triste. Traumatizado. Não quis mais viver e fui morar na rua. Fracassei mesmo. Não consegui mais superar isso e durante muito tempo foi assim. Depois disso, ninguém mais me contratou para nada.

Mas, amigo íntimo da família Guinle e companheiro de farra do playboy mais assumido do país, Jorginho Guinle, chegou a morar oito anos, de graça, no luxuoso Copacabana Palace. Com a falência e a venda do hotel, quase voltou para as ruas.
— O Roberto (a quem trata com intimidade, trata-se do rei Roberto Carlos) paga o meu quarto aqui no Centro. Se não fosse ele, estava na rua. O Timóteo (Agnaldo Timóteo) também me ajudou muitíssimo — disse Bob Lester. De volta à Copacabana, não mais como morador, e sim, mais um dos artistas de rua que se apresentam no charmoso bairro carioca, Bob diz que sobrevive e que ainda pretende voltar aos palcos.
— Eu estou idoso, mas estou aqui, sobrevivendo, lutando para voltar à vida artística. Seja lá como for. Enquanto estiver aqui, vou continuar tentando — concluiu Bob Lester, enquanto se preparava para uma apresentação de sapateado com o presente que pertenceu à Astaire.

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