DOIS GRITANDO





'Não somos todos porcalhões'



Gustavo Autran

A afirmação do prefeito Eduardo Paes de que o povo carioca "precisa ter mais educação, higiene e respeito com o espaço público" mobilizou a população em torno do debate sobre a limpeza nas ruas e praias da cidade. A discussão esquentou ainda mais depois que ele chamou de "porcos" os banhistas que poluem as areias das praias e ameaçou suspender por um dia inteiro o trabalho da Comlurb na Avenida Rio Branco e na orla carioca. O puxão de orelhas provocou reação imediata no fórum de debates da campanha "Nós e Você. Já São Dois Gritando" , que elegeu a limpeza urbana como tema de debates da semana, e teve em muitos de seus participantes ativos advogados de defesa do asseio da população.



Além de discordarem do prefeito, diversos leitores enviaram imagens do seu descontentamento com os serviços de limpeza urbana. As fotos que ilustram essa matéria mostram flagrantes de lixo nas ruas feitos pelos internautas - e enviados ao Eu-Repórter , seção de jornalismo partipativo do site do GLOBO. Alguns são exemplos de que nem sempre é só da população a culpa pela sujeira. O sistema de coleta em locais de grande movimento pode estar falhando também. A principal queixa é contra as lixeiras da cidade.



"A Comlurb não ajuda quem quer jogar o lixo no lugar certo. Essas papeleiras têm capacidade mínima e uma abertura minúscula. O que estão esperando para substituí-las?", escreveu o empresário Roberto Motta, diretor da Associação de Moradores de Ipanema, ao enviar suas fotos. O empresário reconhece a falta de consciência ambiental de uma parcela significativa dos moradores da cidade, mas também reclama da eficácia dos recipientes instalados nos postes para comportar o lixo.



Outros leitores criticaram a ameaça do prefeito de tirar garis das ruas do Rio. "Retirar os garis com o pretexto de educar a população é um desrespeito com quem não joga lixo na rua. É muita cobrança para pouca realização", considera o internauta Ricardo de Magalhães, que registrou sua queixa no fórum da campanha "Dois Gritando". "O governo deveria usar os meios de comunicação para educar a população sobre a questão em vez de aplicar castigo", protestou a leitora Carla Beatriz Barreto Nossar.



Outra fonte de indignação é a fiscalização (ou falta de) sobre a panfletagem irregular nas ruas, responsável por grande parte da imundície registrada no Centro, Catete e Tijuca. "Na Praça Saens Peña é enorme a quantidade de jovens distribuindo papéis. Quem pega, joga o anúncio fora dois passos adiante. A prefeitura tem conhecimento da situação e não faz nada. E agora o prefeito vem a público dizer que só a população é que é porca", desabafa o leitor Rodolpho Evaristo de Oliveira Neto.



Apesar das duras palavras do prefeito, muitos internautas admitem também que os moradores do Rio têm a sua parcela de responsabilidade sobre a quantidade de sujeira que jaz nas calçadas, nos canteiros de árvores e na praia. A leitora Neria Nery Cardoso registrou a montanha de lixo retirada das areias de Ipanema depois de um domingo de sol. "Vivemos todos a reclamar, com razão, das autoridades municipais e estaduais, mas esquecemos que uma grande parte dos nossos problemas deve-se à falta de educação das pessoas. Sem a colaboração dos banhistas fica impossível manter a praia limpa. E olha que o verão ainda nem chegou".



Na opinião do músico Pedro Estellita Lins, morador da Tijuca, a população tem que dar o exemplo antes de cobrar. "Bitucas de cigarro e papeizinhos jogados no chão contribuem para a sujeira e as enchentes. Depois não adianta reclamar com os políticos, sejam eles corruptos ou não. Acredito que os cariocas deveriam começar a ter mais respeito pela cidade. Estão afundando em sua própria sujeira".



Reforçando a polêmica declaração de Paes, a Comlurb também responsabiliza quem emporcalha a cidade pelo excesso de lixo lançado nas ruas.



- Hoje existem mais de 120 mil papeleiras na cidade, sem contar com os 165 mil contêineres espalhados na orla e nas comunidades onde não chegam os caminhões compactadores. Se calhar de não haver uma lixeira por perto, o certo é guardar o que será descartado até encontrar um lugar próprio. Esse é um valor que deveria ser repassado em todos os lares - considera a presidente da Comlurb, Angela Fonti.



Nas vias de grande movimento de motoristas e pedestres, chama atenção a quantidade de sujeira recolhida pela empresa diariamente, tanto nas cestas coletoras quanto nas calçadas. Um exemplo gritante é a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, de onde são removidas quatro toneladas de detritos em quatro varridas diárias. Já na Avenida Rio Branco, o volume chega a 580 quilos por dia. Esses números impressionantes poderiam ser drasticamente reduzidos se não houvesse tanto lixo acumulado nas calçadas e nos canteiros das árvores.



- Nos mais de três quilômetros da Nossa Senhora de Copacabana existem duas mil cestas coletoras presas aos postes. Cem a menos do que na Rio Branco. Isso, definitivamente, não é pouco - contabiliza Angela.



Uma pesquisa divulgada recentemente pela ONG Rio Como Vamos aponta que o carioca está insatisfeito com a poluição da água e a sujeira nas ruas mas, ao mesmo tempo, ele reconhece que poderia ajudar de forma mais incisiva no combate ao problema. Numa escala entre 0 e 10, os entrevistados deram notas baixas para a poluição de praias (4,6), rios, córregos e lagoas (3,6) e lixo nas ruas (3,8).



Paralelamente, 83% dos que participaram da pesquisa acham que "os cariocas podem contribuir com a limpeza das praias, evitando sujá-las". Essa aparente incoerência é vista com otimismo pela escritora Rosiska Darcy de Oliveira, presidente do movimento criado há dois anos no Rio.



- Os números revelam que existe um claro descontentamento das pessoas com elas mesmas. Encaro esse fato mais como uma autocrítica do que como uma contradição. O que falta para mim é um empurrãozinho, que poderá ser dado por uma ampla campanha educativa e uma melhor distribuição de lixeiras e caçambas - conclui.

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