IPANEMA - COMO ERA BOM !!!!


BLOG DO CAMILO
Ipanema


O ano em que passei em Copacabana não foi totalmente desperdiçado. Como criança da zona norte, tinha nenhuma experiência com o mar, as ondas, as "bocas" onde o mar dá a impressão que vai nos levar para longe e principalmente com os "jacarés", aquela coisa quase mágica que os garotos faziam usando uma prancha de madeira para deslizar pelas ondas. Tive um aprendizado muito dolorido e salgado. Dolorido porque consegui fazer uma tábua com a ajuda do motorista do meu pai. Ela tinha uma proa arredondada e atrás havia uma curvatura que deveria acomodar o meu corpo. Eu estava preparado para as ondas mas o que eu não havia aprendido ainda era manter a proa da tábua elevada para evitar que com a quebra da onda, ela embicasse na areia. Pois é! Ela embicou e quase que a ponta da curvatura traseira da tábua entra pela minha barriga adentro. Doeu muito mas aprendi. Mas aprendi também a não abrir a boca quando a situação se mostrava difícil porque a água salgada tira até o jeito de se respirar. Acho que a maioria dos afogamentos começa pela impossibilidade da pessoa controlar a respiração depois de ter ingerido água salgada. Foi extremamente útil esse tempo em Copacabana para que eu pudesse enfrentar o mar de Ipanema, muito mais difícil e cheio de truques.

Lembro com saudade de uma casa de frios na Nossa Senhora de Copacabana quase na esquina da rua Figueiredo de Magalhães. Chamava-se Casa Especial em Frios. O nome me soava estranho mas acredito que tenha sido consequência do idioma meio truncado que era falado pelos atendentes da loja. Era de uma limpeza extraordinária com azulejos brancos pelas paredes e uma coleção maravilhosa de frios, saladas de batatas, queijos e tudo que a gula festeja. Tinha também salsichas espetaculares, daquelas que estalam quando se morde. Que saudade! Aliás, lojas desse tipo existiam em Copacabana, Ipanema e Leblon e acho que com o advento dos super mercados elas fecharam as portas. Uma pena porque os frios que hoje compramos nesses estabelecimentos além de serem pobres no seu sortimento, são de qualidade sofrível. Quem não se lembra do presunto Santo Amaro com aquela banda de gordura, os frios de quadradinho, uma mistura de morcela com bolo de carne, os de picles, a leona, o famoso "schinken wurst" que o Oscar do saudoso Zepellin servia em fatias grossas com salada de batata. Não existe mais nada disso. Com sorte você ainda encontra presunto alemão do Hans, salsichas do mesmo fabricantes que ainda estalam quando não mordidas. As salsichas que encontramos normalmente parecem que foram feitas com carne pré mastigada. Casas como a Especial em Frios, Luculus, Nelson e tantas outras infelizmente fecharam as portas para nossa tristeza. Nós que somos da confraria da cevada e do malte sabemos como o pão preto vai bem com um bom prato de frios sortidos. Isso ainda existe em São Paulo.

Minha mãe descobriu que no posto 6 havia um hotel chamado Riviera que servia uma cassata deliciosa e esse era um dos programas de Copacabana que eu mais gostava. Saíamos depois do jantar e caminhávamos pela praia até o hotel. Era caminhar uns dois quilometros entre os postos 4 e 6 mas era uma caminhada divina. Primeiro porque em 1943, a quantidade de carros nas ruas não era grande; segundo, porque o ar era delicioso com aquele insubstituível cheiro de maresia que vinha do mar e terceiro, porque havia a certeza da cassata. Não sei quantas estrelas teria o Hotel Riviera, mas, sei que o pátio na frente do hotel era cheio de mesas colocadas entre as amendoeiras. Nesse ambiente que hoje as agências de turismo descreveriam como dos mares do sul, tomávamos aquela cassata feita com o legítimo creme de leite e abundantes frutas cristalizadas. Se eram realmente de Napoles eu não sei. O nome era cassata napolitana e a origem não atrapalhava o paladar. Era divina!

Finalmente chegamos a Ipanema onde morei de 1943 até 1973 e de 1999 até 2006 com breves estadas em São Paulo. Meu pai com sua experiência de engenheiro metalurgista havia feito um projeto para um industrial que queria construir uma laminação de aço em São Paulo. Antes de iniciar o projeto, foi conversar com o general que era seu chefe a respeito da possibilidade de cobrar pelo estudo. A resposta do general ficou famosa: "o que você faz no seu tempo livre não é da conta do Exercito". E assim, ele recebeu uma quantia que possibilitou pagar boa parte da casa arrematada em leilão situada na rua Joana Angélica a 30 metros da areia de Ipanema. Comecei vida nova como garoto de praia no lugar mais fantástico do Rio de Janeiro. Ipanema era uma vila aconchegada na cidade grande. Era tranquila, limpa, pequena, espremida entre a lagoa e o mar, com uma brisa quase permanente, cheia de casas e pequenos edificios de apartamentos e a rua Joana Angélica era exatamente o coração do bairro. Antes e depois da Joana Angélica, existem quatro ruas de cada lado. Era lugar de gente feliz!


Ainda Ipanema


Ipanema era realmente lugar de gente feliz. As ruas eram tranquilas, as crianças andavam de bicicleta sem medo dos carros, os vendedores ambulantes eram realmente ambulantes, "a vaca leiteira", um pequeno caminhão com um tanque de leite que vendia o produto nas esquinas sempre anunciava sua presença com a buzina e, como as buzinas não eram frequentes, sabia-se que o leite havia chegaado. O comprador tinha que levar o vasilhame que era de vidro e lavado em casa. As padarias mandavam pães fresquinhos para que os novos moradores pudessem prová-los, o açougueiro atendia os pedidos de porta em porta e além de tudo isso, Ipanema tinha a Sorveteria das Crianças. Famosa por seus sorvetes de frutas, a sorveteria ficava na Rua Visconde de Pirajá quase na esquina da Garcia D'Avila. O programa noturno era tomar o sorvete em frente a sorveteria porque, sem arrependimento e sem medo do colesterol, o repeteco era quase que obrigatório. Tudo isso sem bala perdida, assalto, morador de rua dormindo na porta das agências bancárias que alias não eram muitas.

E o bonde? Tenho muita saudade desse tipo de transporte porque foi nele que comecei a imitar os malandros ao tomar o bonde andando. Malandro naquela época não era bandido, era mais para o lado do esperto, sempre com uma boa desculpa, uma história complicada para arranjar uns trocados, um gingado inimitável e, graças ao Pericles, grande criador do "Amigo da Onça", vestiam calças "boquinha". Os bondes iam e vinham pela Visconde de Pirajá, alguns indo até o fim de Ipanema e outros retornando na Praça General Osório. Havia na Rua Teixeira de Melo junto a Rua Barão da Torre um pátio de manobra para que o bonde pudesse fazer o retorno. Havia outro também na Rua Henrique Dumont com a Visconde de Pirajá em forma de rotatória. Andar no estribo do bonde era o desejo de todo garoto, saltar do bonde andando era então a façanha máxima, mas, fazer como os malandros que saltavam de costas era mais desafiador. Confesso que nunca tentei essa manobra. Presenciei algumas quedas impressionantes de pessoas que, sem a experiência, tentavam o salto que geralmente terminava em um grande esparramo. O bonde tinha dois operadores; o motorneiro que conduzia o dito e o trocador que fazia mágica, mas tão boa que hoje teria lugar garantido no Cirque du Soleil. O trocador cobrava a passagem daqueles que estavam dentro do bonde e também dos que estavam no estribo. Agora, imaginem vocês um bonde cheio de gente com os estribos com duas ou até três camadas de pingentes e o trocador valsando por todos. O uniforme tinha um colete com muitos bolsos, onde eram dispostas as moedas, cada valor no seu respectivo bolso. Numa das mãos recebia o dinheiro, fazia o troco, registrava o pagamento em um relógio acionado por uma tira de couro e com a outra movia-se pelo estribo passando de balaústre em balaústre ( peças de madeira cilíndrica, aparentemente envernizados pelas mãos dos trocadores e passageiros e que ficavam presos às colunas que sustentavam o teto do bonde). Imaginem vocês um bonde cheio e o pobre trocador além de malabarista, tinha que ter boa memória e controlar aqueles que "distraidamente" desciam do bonde sem pagar.



Eu tinha desembarcado em Ipanema e o mar era a grande tentação. Lá estava ele pertinho de nós, com o seu "perpetuum mobile" de ondas. A vista era maravilhosa. Ao longe via-se o arquipélago das Cagarras com um conjunto heterogêneo de ilhas grandes e pequenas, altas e baixas e a Ilha do Farol ou Ilha Rasa. Tudo isso para mim era novidade porque não conseguia entender a razão do farol piscar duas vezes a luz branca e uma só vez a vermelha. Porque não eram todas brancas ou todas vermelhas? E a ilha rasa afinal não era tão rasa assim e porque uma das ilhas tinha uma coloração esbranquiçada diferente das demais, e porque o começo da praia tinha a Pedra do Arpoador se não se arpoava nada lá. Um mundo novo para ser descoberto!

E lá fui eu ao encontro do mar para testar as minhas habilidades a duras penas acumuladas durante a minha estada em Copacabana. O mar de Ipanema não aceita abuso, é severo no seu castigo porque exige respeito. Esse é aliás um dos pilares da sobrevivência no mar. Respeito! Ví muitos afogamentos por desrespeito ou por ignorância e meu próprio pai teve uma experiência nada agradável. Já um pouco acostumado com as manhas do mar, em um bonito domingo ensolarado, fui com ele para a praia. O mar tinha ondas que chegavam a um metro mas eu já tinha aprendido como não brigar com elas e até aproveitá-las para passar a arrebentação. Estava feliz quando meu pai me avistou da praia. Jogou-se na água e nadou até onde eu estava, não sem antes sofrer alguns revezes com as ondas. Chegou um pouco cansado e exigiu que eu saísse imediatamente de onde estava e fosse para a areia. Ponderei sem êxito que sabia como manter-me vivo e comecei a voltar ao lado dele. Nesse momento, sempre atento ao movimento das ondas, vi que uma de bom tamanho vinha já próxima. Chamei meu pai para que esperasse a onda passar mas ele entendeu que eu estava tentando contemporizar e ordenou militarmente que eu continuasse nadando. A onda estourou bem em cima da cabeça dele e pude ver em sucessivas rotações, os seus pés, depois a cabeça quando afinal conseguiu emergir quase em desespero. Outra ordem militar para que eu saísse e outra onda boa alcançou-o novamente. Nova rotação de membros desordenada só que, dessa vez, não houve outra ordem militar mas sim uma reação desesperada de chegar a areia. Saiu trôpego da água e disse de forma convicta que nunca mais pisaria nas areias de Ipanema. Ele morou lá até falecer em 1996 e nunca mais pôs os pés na areia da praia.


Postado por blog do Camillo

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