DESORDEM URBANA

Desordem urbana: os paraísos da balbúrdia

Camilla Lopes, Jornal do Brasil

RIO - A orla da Zona Sul acordou para a poluição sonora. Em uma semana, o JB percorreu do Leblon à Urca para constatar que, nos paraísos dos mais altos IPTUs do país, o barulho chega antes das 7h. Vem nos caminhões que abastecem os quiosques das praias do Leme ao Leblon, buzinando sem pudor, na sirene da Guarda Municipal que inverte a mão da pista e, no caso da Urca, nos gritos dos pescadores que saem para pescar nas primeiras horas dos fins de semana e feriados.

– Entendo que esse pessoal (entregadores de coco) precisa trabalhar, mas o barulho começa muito cedo, às 6h. Falo com propriedade – reclama Maria Aparecida Figueiredo, dona de um apartamento na Avenida Vieira Souto, em frente à Praia de Ipanema.

Ela aluga o imóvel no primeiro andar do prédio para um executivo de multinacional. Com um IPTU de R$ 5 mil, ela precisou aplicar espuma de isolamento acústico no apartamento para atender à reclamação do locatário, que não conseguia ter sossego com o barulho iniciado logo cedo.

– A prefeitura deveria rever o horário para 10h. É um IPTU caro, acho justo que se tenha um retorno, aliás, um sossego, para ser mais clara. E se eu perdesse esse aluguel por causa do transtorno causado pelo barulho? – questiona.

Em Copacabana, além dos caminhões com produtos para barraqueiros e quiosqueiros da orla, ainda há o movimento de caminhões da rede hoteleira.

– É tanto barulho de manhã cedo que agora só durmo no quarto dos fundos – relata a advogada Wanda Barros moradora da Avenida Atlântica, que mora no 12º andar e precisou abrir mão da vista da praia ao despertar, mesmo pagando R$ 2 mil anuais de IPTU.

Enquanto o JB conversava com Wanda, sua futura vizinha Latife Moalla, que faz reformas para se mudar nos próximos 20 dias, se disse decepcionada.

– Você acaba de me dar uma péssima notícia. Estou me mudando da Domingos Ferreira por causa do barulho. Pensei que, morando no 12º andar da Atlântica, tivesse sossego. Agora, vou me unir a quem está reclamando.

Uma cobertura na Avenida Vieira Souto, que poderia representar o ápice da qualidade de vida, não tem sido um paraíso tão tranquila assim. Segundo Lêda Galdeano moradora de um dos endereços mais cobiçados do Brasil, a paz está em falta, sobretudo de manhã cedo.

– Se tem uma coisa que atormenta é esse comércio; é gente vendendo gelo, coco, tudo muito cedo. Não quero atrapalhar quem trabalha aqui, mas o barulho é demais. Agora, quero me associar a alguma entidade ou grupo que também esteja reclamando – afirma que Lêda paga R$ 12 mil de IPTU por ano.

No número 1.212 da Avenida Delfim Moreira, de frente para a praia do vizinho Leblon, o tormento começa na hora do rush e vara a madrugada.

– O barulho atormenta, seja no cruzamento com a Niemeyer e a Visconde de Albuquerque, seja pelos carros que chegam ao prédio aqui do lado, que não tem controle remoto na garagem e, às 2h, 3h, buzinam para o porteiro abrir – desabafa o médico Vítor Menescal, 54 anos, há seis naquele local.

Todos no mesmo quadrado

No Quadrado da Urca, Vera Signoretti, há 54 anos na Rua Urandi, junto à Praça Cacilda Becker, diz que o barulho dos barcos “realmente incomoda”.

– Eles chegam às 6h, e, quando estão se preparando para zarpar, é uma gritaria danada.

Outra moradora da Urandi, que disse pagar R$ 3 mil anuais de IPTU e não quis se identificar, reclama que, quando recebe parentes, precisa acomodá-los no quarto dos fundos, “porque o barulho é muito e logo cedo”.

– Às vezes, são mais de cem pescadores saindo de uma vez só. Incomoda mesmo.

Para tentar resolver o problema, a Associação dos Moradores da Urca (Amour) reuniu-se na semana passada com a vizinhança e a colônia dos pescadores.

– Agora está sendo sendo planejada uma série de ações para combater o barulho – afirma a presidente de Amour, Celi Ferreira.

Moradores põem até vidro triplo como proteção

Para fugir do barulho, é bom estar preparado para gastar nas opções disponíveis para solucionar o problema. O isolamento acústico funciona, mas é caro.

– Para aplicar o isolamento em todo o meu apartamento, que tem 70 metros quadrados, eu gastei R$ 35 mil. Mas funcionou, e o barulho acabou mesmo. Nem ouço mais a sirene do carro da Guarda Municipal que era o que mais me incomodava – conta o advogado José Henrique Camello, morador Delfim Moreira, que pôs vidro triplo na janela.

Na primeira noite em que dormiu na Delfim Moreira, há dois anos, acordou no meio da noite.

– Era um motorista de van gritando “Rocinha! Vidigal!”, Tão alto que parecia estar aqui dentro de casa – lembra o advogado, que antes vivia em um silencioso condomínio na Barra da Tijuca.

A atitude de José Henrique ganha adeptos. Segundo a arquiteta Claudete Brito, há 33 anos no mercado de isolamento acústico, a procura pelo serviço em residências aumentou nos últimos cinco anos.

Claudete explica que as janelas são de vidro duplo com esquadrias de PVC ou de alumínio e que, de um modo geral, chegam a 38 milímetros de espessura.

Também é possível optar até por vidros triplos. Naturalmente, quanto maior a espessura dos vidros, mais caro sai a aplicação desse tipo de isolamento, que, em geral, é um trabalho para arquitetos.

– Mas pode-se chegar até a colocar vidros triplos. A janela acústica custa caro, entre R$ 1 mil a 1,5 mil por metro quadrado. Você gasta dinheiro mas funciona. Já atendi muitos clientes com uma vista linda mas um barulho horrível.

Maria Aparecida, que isolou seu apartamento na Vieira Souto com espuma, diz que, se as leis municipais fossem modificadas e rigorosamente cumpridas, ela não teria tanto prejuízo.

– Será mesmo que o horário dos caminhões, na orla não poderia ser entre 10h e 17h? Não tem tanto trânsito, e eu acredito que não perturbaria ninguém, já que é um período em que todo mundo está trabalhando – sugere.

Além de ser desagradável, o ruído estridente causado pela sirene do carro da Guarda Municipal – que modifica o sentido do tráfego nas avenidas da orla – por vezes ainda viola a Lei do Silêncio estadual, segundo José Henrique Camello, ao passar em frente à sua casa na Delfim Moreira antes das 7h.

– Varia de 6h45 às 7h15 – conta o advogado.

Colaborou João Pequeno

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