RUTH DE AQUINO





O megainferno dos mega-Réveillons


Ruth de Aquino



RUTH DE AQUINO é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro

raquino@edglobo.com.br

Copacabana, a princesinha do mar, treme nas bases. O show do Réveillon começará às 18 horas e irá até as 3 horas. Nove horas ininterruptas de Música Popular Brasileira. Vai abrir com DJ Brinquinho e, depois, Grupo Revelação. Conhecem? Eu também não. Hoje, para ser MPB, basta ser brasileiro e popular. Pagode virou MPB. Segundo a Riotur, o “superpalco” terá quatro torres de som, cada uma com 48.000 watts. E mais 20 torres de som espalhadas pela praia, num megaevento para 2 milhões de pessoas.

Depois dos fogos de artifício da meia-noite, a multidão poderá desfrutar o vozeirão de Martinália e, às 2 horas da madrugada, o ápice do baticumbum: as escolas de samba Beija-Flor e Salgueiro. Isso é um exagero, para dizer o mínimo. É uma mania de atrapalhar o que já foi uma confraternização pacífica. Os fogos, o mar e os brindes eram o que importava. Saudava-se a virada do ano em família, entre amigos, na praia. Flores eram jogadas ao mar. Faziam-se pedidos a Iemanjá. Em Copacabana.

“A primeira linha de prédios, na Avenida Atlântica, ficará exposta a no mínimo 80 decibéis. Isso é absolutamente nocivo e incômodo ao ouvido humano”, diz o professor de Acústica Fernando Castro Pinto, de 43 anos, da Coppe, ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esse som vai muito além do permitido pela legislação da própria Prefeitura. Se alguém resolve abrir um barzinho e a música supera 55 decibéis à noite, o dono pode ser autuado e multado.” Castro Pinto avisa que quem ficar perto das torres de som por mais de 20 minutos seguidos sofrerá alguma perda auditiva. Para o resto da vida. É irrecuperável.

O prefeito Cesar Maia não estará em Copacabana. Como sempre, deixa o circo armado e se recolhe fora da cidade ou em seu apartamento de luxo numa praia do Rio bem longe dali, em São Conrado. Este será seu último Réveillon no poder. Bem que poderia postar-se ao lado de uma dessas torres de som. Mas seria uma punição inócua. O Rio de Janeiro convive há anos com um prefeito praticamente surdo.

Som alto em espaços públicos pode causar estresse e perda auditiva. Mas ninguém parece se importar com isso

No ano passado, o batidão em Copa foi do funk. Escrevi sobre o pesadelo (“O Réveillon do pancadão”). Cinco pessoas foram feridas perto do palco por tiros, que vieram do alto como balas perdidas. Ipanema teve rave, e um folião morreu com um tiro no abdômen. Agora, a Polícia Militar vetou o show de música eletrônica em Ipanema. E no Flamengo também. A Riotur lamentou, os patrocinadores se irritaram. Ninguém quer disputar com Copacabana o título de “maior festa de virada do mundo”. Os moradores de Ipanema preferem um Réveillon mais calmo, menos nervoso, com menos gente fazendo xixi na rua, menos bêbados, menos ambulantes.

A PM vetou os shows em Ipanema e no Flamengo porque se disse incapaz de garantir a segurança nesses dois bairros. Significa então que, em Copacabana, a PM acha que pode garantir a segurança. É isso mesmo?

E se houvesse um plebiscito no bairro do Rio que concentra mais idosos? Será que a população de Copacabana preferiria algo menos mega? Será que técnicos de acústica deveriam ser consultados previamente? “No Brasil, existe uma cultura musical: quanto mais alto o som, não importa o estilo, melhor o show. Tudo então, quando é público, precisa ser gigantesco, monstruoso, para impressionar. Ninguém se preocupa com o respeito ao próximo. Seria fundamental que a Prefeitura fizesse um estudo de impacto da poluição sonora, na tentativa de amenizar os prejuízos causados pelo som excessivo. E monitorasse”, diz Castro Pinto.

Som muito alto provoca estresse e fadiga mental, aumenta a pressão arterial e a pressão sanguínea e contribui para o surto de brigas e confusões, especialmente se o show se arrasta por nove horas. O Réveillon no Rio já foi considerado, no passado, um momento de trégua, um intervalo de paz. O modismo dos megaeventos por todo o país, não só no Rio, revela falta de civilidade e de educação. O espaço público vira uma zona.

Adianta falar? No Brasil, quem reclama por seu direito é um chato. Os incomodados que se mudem de Copacabana.

Um comentário:

  1. Nossa... como diretora de uma revista tão bem conceituada como a "Época" vc deveria ser menos preconceituosa... dizer que não conhece o Grupo Revelação é demais!!!!!

    Feliz 2009,
    Paula.

    ResponderExcluir