LEILA DINIZ

Leila Diniz: uma mulher eternamente à frente de qualquer tempo


Mirian Goldenberg*

JB Online


RIO - Quando soube que seria publicado um novo livro sobre a vida de Leila Diniz, fiquei intrigada. Depois do filme e do livro (os dois de 1987) de Luiz Carlos Lacerda, de inúmeros artigos, documentários, verbetes em dicionários e, também (por que não dizer?), de minha tese de doutorado (de 1994) sobre a trajetória da atriz, trabalho que se transformou no livro Toda mulher é meio Leila Diniz (de 1995), o que ainda poderia ser revelado sobre esse mito de mulher carioca e revolucionária?

Cheguei à conclusão, ao descobrir que o jornalista e cronista Joaquim Ferreira dos Santos seria o autor da nova biografia (Leila Diniz: uma revolução na praia, Companhia das Letras, R$ 39), , que mais importante do que saber o que seria dito de novo, seria a forma como ele iria contar o que, talvez, já tivesse sido mais do que dito.

Acertei em parte. É verdade que a narrativa de Ferreira dos Santos sobre a vida da Leila é diferente das já existentes. Mas é verdade também que o autor apresenta algumas revelações muito interessantes, mesmo para aqueles que conhecem profundamente a trajetória da atriz. E, mais ainda, Joaquim faz uma bela crônica do Rio de Janeiro dos anos tensos e intensos de 1960 e de sua boemia artística-intelectual no circuito Copacabana-Ipanema.

Algumas sutilezas do livro estão em suas entrelinhas: fala dos inúmeros homens de Leila, de seu primeiro e último amor, conta detalhes de suas histórias nas filmagens e da sua extrema generosidade com os amigos, revela trechos não publicados de sua famosa entrevista ao Pasquim em novembro de 1969. São falas repletas de palavrões, é claro. Mas o que chama a atenção nelas é a defesa desbragada e desbocada que a atriz faz de sua liberdade: conta que já ficara três dias fazendo sexo sem parar e que o membro masculino era "essencial" na sua vida.

Joaquim também mostra a inteligência espontânea de Leila, que desconcertava até os piores cafajestes, como na constrangedora situação em que precisou responder à cantada agressiva de um fazendeiro:
"Leila tentou levar o cara na base do não, do não é bem assim, até que o homem resolveu ser mais explicitamente rude:
– Ora, menina, mas me disseram que você dá pra todo mundo!
– Eu até posso dar pra todos, meu amigo – respondeu a Rainha das Vedetes de Ipanema – mas não dou pra qualquer um.

É praticamente impossível descobrir coisas novas de alguém que escancarou sua vida ao sol de Ipanema. Mas o livro de Ferreira dos Santos não é de fofocas. É um livro de memória, sobre a história de um símbolo dos anos 60, que revolucionou o comportamento masculino e, especialmente, feminino de toda uma geração.

Por que falar de Leila Diniz hoje, 26 anos após a sua morte? Como mostra muito bem Leila Diniz: uma revolução na praia, porque ela continua seduzindo homens e mulheres, mesmo aqueles que não tiveram o privilégio de conviver com ela.

Recentemente, exibi os filmes Todas as mulheres do mundo (1966), de Domingos de Oliveira, e Leila Diniz, de Luiz Carlos Lacerda, para meus alunos de ciências sociais e de história da UFRJ. Fiquei profundamente emocionada ao perceber que eles reconheceram que ela faz parte da história recente de nosso país, que sua luta ainda é a luta de muitas brasileiras. Joaquim mostra a importância de Leila Diniz para as mulheres brasileiras e a história de alguns personagens que viveram e revolucionaram o Brasil dos anos 60, não com luta armada, mas com muito amor, sexo e palavrão. Leila Diniz é, até hoje, o ícone dessa revolução comportamental.

Leila, ao afirmar publicamente seus comportamentos e idéias a respeito da liberdade sexual, ao recusar os modelos tradicionais de casamento e de família e ao contestar a lógica da dominação masculina, passou a personificar as radicais transformações da condição feminina (e também masculina) que ocorreram no Brasil no final da década de 60.

O livro de Joaquim revela também por que, como na música de Rita Lee, é possível dizer que "toda mulher é meio Leila Diniz". Somos "meio Leila Diniz" porque exercemos, em nosso cotidiano, muitas das conquistas de Leila e de sua geração: somos mais livres, temos mais prazer e lutamos pelos nossos desejos. Mas, ao mesmo tempo, também estamos muito longe de ser "meio Leila Diniz", pois não somos tão livres, não temos tanto prazer e não somos tão felizes como ela era.

Joaquim constata, como também o fiz em minha tese, que Leila Diniz fez uma verdadeira revolução ao revelar o oculto – a sexualidade feminina vivida de forma livre e prazerosa – em uma barriga grávida ao sol.

Com os inúmeros palavrões na entrevista ao Pasquim, com uma vida sexual e amorosa extremamente livre e prazerosa, com seu corpo grávido de biquíni, Leila trouxe à luz do dia comportamentos, valores e idéias já existentes, mas que eram vividos como estigmas, proibidos ou ocultos. Ela fazia e dizia o que muitos tinham o desejo de fazer e dizer.

Não à toa, ela é apontada como uma precursora do feminismo no Brasil: uma feminista intuitiva que influenciou, decisivamente, as novas gerações.
Leila Diniz: uma revolução na praia é um livro encantador, fiel a seu principal personagem, que seduz o leitor e revela o carisma deste mito, assim como o seu poder simbólico de transformar pensamentos e comportamentos de toda uma geração.

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