PRATA DA CASA



18/09/2008 03:36:00
Prata da casa no comando do PAC Engenheira moradora do Cantagalo é um dos poucos moradores com nível superior no complexo da Zona Sul

Natalia von Korsch

Rio - Aos 42 anos, todos eles vividos nas vielas do Morro do Cantagalo, em Ipanema, a engenheira eletricista Márcia Cristina de Sousa e Silva é a única com nível superior completo entre as sete mulheres da favela que trabalham de forma destacada nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, como noticiou ontem o ‘Informe do DIA’.
Ela faz parte do 1,6% dos moradores da comunidade que terminaram a faculdade, segundo levantamento socioeconômico realizado pela Secretaria Estadual de Obras. “Demorei 10 anos para me formar, porque não tinha dinheiro para pagar todas as disciplinas. No início, para conseguir emprego, não podia dizer onde morava. Sou mulher, negra e ainda moro em favela, sofri muito preconceito e aprendi com a vida a lidar com isso”, diz Márcia.
Solteira, a primogênita de cinco irmãos e tia de 11 crianças abdicou do sonho de casar e ter filhos para realizar o de ser a única da família a terminar os estudos: “Ou eu me formava ou casava, não dava para fazer os dois ao mesmo tempo. Para pagar a faculdade, tinha dois empregos. A vida para quem mora na favela é bem mais difícil”, lamenta a engenheira que venceu na profissão.
Sem planos de deixar a comunidade onde vive com os avós, Márcia é exemplo para outras guerreiras que, como ela, encontraram no PAC uma forma de voltar ao mercado de trabalho.
Todos os dias, às 7h, antes de sair de casa, Cristiane da Silva Martins passa perfume, coloca os brincos e se despede dos cinco filhos rumo ao trabalho. Aos 34 anos, a ex-copeira escolar é uma das três mulheres da comunidade que venceram o preconceito e há cinco meses trabalham como operárias nas obras do PAC.
Virar concreto, carregar baldes de cimento e usar os braços para construir os alicerces dos futuros prédios e ruas da favela são algumas de suas atribuições, exatamente as mesmas destinadas aos homens.
“No começo, todo mundo ficava olhando, estranhava um pouco nossa presença aqui. Mas, agora que já se acostumaram, esquecem até que a gente é mulher”, brinca a ex-copeira, que estudou até a sexta série do Ensino Fundamental e só trabalha com os cabelos soltos.
Em meio aos 230 colegas do sexo masculino com quem dividem o trabalho pesado, a vaidade foi a forma encontrada por elas para se diferenciar e manter a feminilidade. “Eu não saio de casa sem passar um batonzinho. Não é porque fazemos trabalho de macho que não podemos ser femininas”, explica a ex-empregada doméstica Maria Auxiliadora Vieira, 38 anos, cujos grandes brincos são marca registrada.
Em breve, novas aquisições femininas serão acrescentadas ao grupo. Elas serão responsáveis por fiscalizar o acabamento das obras e dar retoques finais ao projeto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário